
O meu amigo DJ, personagem do último post, teve mesmo uma passagem memorável por Paris.
Depois do episódio da bomba na FNAC, ele só queria saber de se divertir um pouco para esquecer os contratempos em terras napoleônicas. E me chamou pra ir a uma festa.
O nome "The Grand Summer Party Funk" (assim mesmo, em inglês), o cartaz em cores berrantes e a promessa de se escutar Jackson 5 e Stevie Wonder, entre outros, não deixava dúvida: era uma festança para todos que curtissem o estilo. Tipo uma Criolina francesa.
Escolhemos nossos melhores All Stars e as adequadas camisetas de bandas e partimos para o La Scene Bastille.
No meio do caminho, pausa pra comprar cerveja.
A impressão que dá é que em Paris essa coisa de beber na rua é a maior paranóia. Ninguém faz isso. Aliás, tem quem faça, mas sob o olhar reprovador dos outros. É uma falta de finesse imperdoável por aqui.
Sem nos preocuparmos muito com isso, entramos na única loja que vende cerveja em lata por perto. É de um chinês completamente louco. Apesar de fornecer bebida alcóolica até altas horas da madrugada, ele só tem permissão pra comercializá-la de dia.
- Duas cervejas, por favor.
- Não temos, responde com um olhar de lamento.
- Mas e aquelas todas ali atrás?
O sujeito olha pros dois lados e consulta a mulher, que está na porta vendo o movimento da rua. Ela responde algo, provavelmente dando um sinal positivo. Ele corre no freezer, busca duas cervejas e tenta enfiar dentro do casaco do meu amigo DJ, que recusa a investida. Tento ajudar.
- Me dá aqui que eu levo na mão.
- Não pode, não pode. Coloca cerveja casaco. Casaco, casaco.
A esposa, que a essa altura berrava com dois outros clientes que provavelmente também não queriam esfriar a barriga com uma lata, chega perto.
- Tem que ser mais rápido. Mais rápido. Coloca cerveja casaco rápido.
Pra escaparmos daquela situação maluca, pagamos, guardamos as duas nos bolsos da calça e saímos. O casal continuava falando.
- Assim não bom. Cerveja casaco melhor.
Com a bebida - quente - em mãos, nos dirigimos para a festa, perto dali.
A fila tava grande. Ficamos do lado de fora, encostados em um carro, bebericando. Ao contrário do que a gente previa, nenhum negão com cabelo black power por perto. Todos os que chegavam estavam invariavelmente de pullover, calça escura e sapato social. Parecia mais convenção da Amway do que festa funk.
Depois de um tempo resolvemos entrar. Uma mulher e dois gigantes controlavam o acesso.
- Boa noite.
- Boa noite.
- Vocês têm uma lixeira aí pra gente jogar essas latas? Não tem nenhuma na rua.
- Lixeira tem sim. Só não tem ingresso pra vocês.
- Como?
- Vocês não vão entrar.
- Por quê?
- Porque já tem muito homem aqui dentro.
Aceitamos meio contrariados e ficamos um pouco de lado. Logo atrás da gente vinham 8 homens. Esperei para vê-los sendo barrados também. Para minha surpresa, todos entraram e ainda ganharam sorrisos dela. Cheguei perto.
- Por que eles entraram e a gente não?
Os gigantes se aproximaram e formaram uma Muralha da China entre a moça e nós, os brasileiros barrados.
- Os senhores não vão entrar. Agora afastem-se, por favor.
Esse "por favor", traduzindo, não significava um pedido. E sim "ou os senhores saem ou vou esquentar a orelha dos dois com uma mãozada só". Ele era capaz, acreditem.
A verdade é que estávamos totalmente em desacordo com aquele ambiente, estética e eticamente. Inconformado, meu amigo lamentava não saber falar francês para dizer umas boas. Trocamos umas idéias e ele aprendeu rapidamente o necessário para se fazer entender. Começou um discurso em português e, quando o Trio Parada Dura da porta prestava total atenção, provavelmente achando bizarro, deu de ombros e evocou ironicamente o slogan da Revolução Francesa.
- Liberté? Egalité? Fraternité?
A comissão de entrada arregalarou conjuntamente os olhos, antes do grand finale.
- Sarkozistes!
Sarkozy é o presidente francês. Um mini-Hitler segregacionista, apesar de filho de imigrantes. Chamar alguém de Sarkoziste é como dizer que ele é racista, malufista e collorido. Tudo ao mesmo tempo.
Os guardiões da esbórnia calaram-se simultaneamente. Saímos rápido, antes que um daqueles brutamontes ficasse realmente furioso, o que provavelmente não seria muito engraçado.
Como Christopher Lambert, meu amigo sentiu-se um highlander cortando a cabeça de outro. Troco dado na mesma moeda, propus uma esticada.
- Outra cerveja?
- Melhor irmos pra casa. Chineses estranhos, festas francesas de funk com nome inglês e cara de Amway, os três patetas na porta. Acho que já tivemos muita diversão por hoje.
Concordei na hora.