sexta-feira, 25 de março de 2011

Um olhar sobre a cidade

Entro no carro e me pergunto se ainda sei dirigir um, antes de virar a chave. Já tem quatro anos que meu contato com automóveis tornou-se esporádico e acho isso um ponto muito positivo no meu novo estilo de vida. Gesto ainda automático, encaixo o som antes da ré, procuro a minha rádio preferida e saio em ritmo lento. Às dez da noite as ruas vazias convidam a uma volta sem pressa.

Os monumentos são valorizados pela iluminação. A imensa torre parece ainda mais majestosa em sua larga esplanada. A quantidade de turistas é bem menor do que durante o dia, mas um ou outro ainda flanam por ali. À noite, as subidas não são permitidas, mas deveriam ser, pois revelariam ângulos pouco conhecidos dessa cidade praticamente plana.

Um pouco mais adiante, passo pela famosa catedral, marco em seu estilo arquitetônico. Paro e admiro suas estátuas, que parecem vigiar quem por ali passa, principalmente a essa hora. Não muito longe dali é possível observar o belo museu, localizado em frente à grande pirâmide.

Continuando o trajeto, atravesso uma das pontes, batizada em homenagem a um militar de alta patente, que comandou seu país com mão de ferro. Sob ela as águas estão calmas. Os barcos que costumam passar por ali agora estão recolhidos, esperando o dia chegar.

Finalmente paro em frente a uma das obras mais intrigantes dessa cidade, um grande edifício com sua cúpula de concreto virada para baixo, projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Desligo o rádio e aprecio.

Brasília e Paris. Tão dessemelhantes. Tão parecidas. Basta saber olhar.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Une pluie de pensées


Adoro caminhar pelos bulevares de Paris, sem rumo, fazendo uma pausa para tomar calmamente um café e bisbilhotar as histórias compartilhadas pelos desconhecidos que dividem o balcão comigo.

Adoro entrar em uma brasserie e pedir um prato que nunca comi antes, mesmo que seja de escargots, acompanhado de uma taça de vinho ou de uma Leffe, que infelizmente nunca será estupidamente gelada porque na França não existe o conceito do estupidamente gelado.

Adoro esquecer que a torre Eiffel existe, pois moro longe dela, e de repente virar uma esquina e vê-la aparecer no horizonte, mostrando-se para mim como se fosse a primeira vez.

Adoro levar os amigos que me visitam para tomarem sorvetes Berthillon, provarem macarons Ladurée, comerem steak tartare no Café de l’Industrie e beberem um cahors no Baron Rouge.

Adoro fazer todos os meus deslocamentos em vélib, com iPod no ouvido, de vez em quando tentando um caminho novo ou pegando uma rua que nunca tinha visto, só pra ver onde vai dar.

Adoro escutar os músicos de metrô que entram no vagão, dão um pequeno show e depois passam o chapéu. Em seguida descem, sobem no vagão seguinte e fazem tudo de novo.

Adoro ver chegar a primavera, quando as gramas dos parques ficam tomadas por gente que piquenica, que bate papo, que namora, que leva os filhos para brincar ou que fica apenas lagarteando sob o sol.

Tudo isso faz parte da minha vida em Paris e vou guardar essas lembranças comigo para sempre, não importa onde venha a morar no futuro.

Mas poucos prazeres podem ser comparados ao de chegar na casa dos pais morto de cansaço de uma viagem de muitas horas, deitar na cama que foi minha, no quarto que foi meu, e tirar um cochilo embalado por uma tempestade tropical, deixando a cortina aberta para adormecer vendo a chuva cair.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Escola de Samba Unidos de Villejuif


Eu sei, o carnaval acabou e agora estamos todos com aquela sensação meio chata de não saber o que fazer enquanto o do ano que vem não chega.

Por isso já comecei a pensar no próximo. E criei o primeiro samba enredo da folia de 2012, da futura Escola de Samba Unidos de Villejuif.

A novidade é que ao invés de homenagear personagens grandiosos e suas trajetórias incríveis, coisa que todo mundo faz o tempo todo, preferi falar de uma figura anônima, sem a menor importância e com uma história totalmente desinteressante.

Quem sabe a moda não pega?


Parábola olfativa em um dia de carnaval aos pés do Arco do Triunfo (ou a epopéia de Anne Bardot rumo à Bavária)

Foi na terra do escargot
Um país ocidental
Que nasceu Anne Bardot (ô ô ô)
Personagem especial

Irmã perdida de Brigitte
A famosa cantora e atriz
Anne sofria com o nariz
E sua eterna rinite

(2x)
Espirra daqui
Espirra de lá
“Mais qu’est-ce-qui se passe?
Mon dieu, ouh la la”

Dona de bela fuça
Avantajada comme il faut
Anne, porém, soluça
Mesmo sendo uma Bardot
Vestiu a carapuça
E a verdade aceitou:
Com esse nariz (esse nariz)
Não dá pra ser feliz

(No farol)
No farol da bela Salvador
De Carlinhos, Caê e Gil
Tô falando agora do Brasil
Pr’agradar o patrocinador

Pobre Anne, espirra sem rapé
Não sente cheiro do queijo e também do acarajé
Pobre Anne, da irmã não chega ao pé
Sem a fama da mais velha, nem bonita ela não é

Aí, num belo dia de sol (ai, de sol)
À beira do Sena, rio histórico, num ato bemol
Anne resolveu sua questão
Pulou num barco, deu um tchauzinho e casou-se com um alemão

(Refrão)
E o que tem o nariz a ver com isso?
Meu Deus, não tenho idéia, eu não quero compromisso

Foi na terra
Foi na terra do escargot...
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sexta-feira, 4 de março de 2011

Como sobreviver em uma estação de esqui


Férias em uma estação de esqui é exatamente como em uma estação balneária: cidade lotada, engarrafamentos por todos os lados, filas quilométricas no supermercado, restaurantes entupidos. As pequenas diferenças são quase imperceptíveis, como a necessidade de usar meias ou os 40 graus que separam os dois ambientes. Em um lugar desses, um francês se sente completamente à vontade. Mas e um brasileiro?

Pensando nos tupiniquins que pretendem se aventurar no mundo da neve e não têm a menor idéia de como agir, preparei esse pequeno guia com algumas dicas.

. Deixe a sunga no Brasil
Ela não será muito útil. Exceção feita aos strippers que vão participar do concurso Garçons à poil dans la neige. Nesse caso, é bom também trazer uma echarpe, que pode ter usos variados, dependendo de onde é maior o frio.

. Não saia de casa calçando os esquis
A não ser que você queira sair por aí andando como o Pato Donald, o que pode ser bem incômodo na fila do pão.

. Na verdade, não calce esquis nunca
Você sabe esquiar? Sabe? Duvido. Sabe nada. Confessa. Vai usar esqui pra quê, então? É calçar e cair, ficar de pé e cair, levantar de novo e cair de novo. Aconteceu comigo. Melhor ficar no bar da estação tomando vin chaud, um quentão metido a besta que a gente bebe fazendo biquinho.

. Se não tem jeito, dê nova utilidade para seus esquis
Tá bom, você já alugou todo o material pra esquiar. Na empolgação, pagou adiantado uma semana e agora não sabe o que fazer com ele. Vai aqui uma sugestão. Enfie a ponta de um esqui na neve, o suficiente para que não caia. Conte sete passos e enfie o outro. Agora você tem dois esquis paralelos, separados de cerca de três metros. Faça um boneco de neve e o vista com a sua roupa de esquiador, sem esquecer das luvas. Coloque-o entre os dois esquis. Pronto, você tem uma trave e um goleiro. Agora chame seu amigo brasileiro e faça uma disputa de pênaltis com bolas de neve.

. Não circule com a capota do carro abaixada
É um barato passear na praia com aquele conversível último modelo, de capota abaixada, com o braço pra fora da janela e escutando música no volume máximo, né?, todo mundo olha pra você. Agora experimenta fazer o mesmo em uma estação de esqui, no maior frio. Todo mundo vai te olhar também, mas pra tentar entender como conseguiram enfiar uma cabeça de boneco de neve em um corpo humano.

. Não dê cambalhota em uma pista de neve
Ao menos que a sua intenção seja inventar a avalanche pessoal.

. Aprenda algumas frases importantes
Porque a gente nunca sabe quando vai precisar ir além do “bonjour” e do “merci”.

. Excusez-moi de vous déranger monsieur, mais j’ai l’impression que votre bâton est rentré dans mon œil gauche (Desculpe incomodar, senhor, mas tenho a impressão de que o seu bastão de esqui entrou no meu olho esquerdo)

. Et si on profitait de toute cette glace pour faire une p'tite caîpi? (Com todo esse gelo, e se a gente mandasse ver uma caipirinha?)

. Docteur, combien d’os peut-on se casser en une seule chute? Aïe... (Doutor, quantos ossos a gente pode quebrar em uma só queda? Ai...)

. Montez le chauffage, putain, montez-le! (Aumentem o aquecimento, porra, aumentem!)