Gosto de dizer que o Chico Buarque é meu vizinho em Paris.
Essa é uma história boa para se contar em mesa de bar. E é claro que não é verdadeira. Mas como eu conheço uma pessoa que realmente tem um apê no mesmo prédio que ele - ou diz que tem, vai saber -, resolvi apropriar-me do fato. Causa um certo frisson dizer que tem o Chico Buarque como vizinho, mesmo fictício. Ainda mais se lançar a conversa na hora certa, bem sutilmente.
- ...e aí tava tocando aquela música que o Chico Buarque fez na época...
- Ele é meu vizinho.
- Hã?
- O Chico Buarque. Meu vizinho.
- O Chico Buarque?
- Isso.
- Vizinho de porta?
- De porta não. Mora perto.
- Perto como? Pertinho, pertinho?
- Perto, bem perto.
- E você já encontrou com ele?
- Nem te conto.
Não conto porque não tenho nada pra contar. O apartamento dele fica a uns bons 30 minutos de caminhada a partir do meu. E nunca cruzei com ele na rua. Mas esses detalhes não preciso revelar.
- E como é que ele é?
- Nem alto, nem baixo. Cabelo curto, olhos azuis, seus sessenta e poucos anos...
- Mas isso todo mundo sabe. Quero saber da vida dele. Como ele é pessoalmente?
- Aí tá exagerando, né? Nunca falei que era conhecido meu. Falei que era vizinho. Apesar de...
Esse recuo estratégico, dizer que não é conhecido, é importante para manter o ar de veracidade. Os mentirosos contumazes entrariam com os dois pés, já evocando uma falsa intimidade com o compositor, ou com o "Chiquinho", como eles diriam. Eu prefiro sugerir e deixar a pessoa imaginar a continuação da história. Esse é o papel do "apesar de..." na frase. E a conversa depois vai mais ou menos pra esse lado.
- Apesar de quê?
- Deixa pra lá. Você não vai acreditar mesmo.
- Acredito, claro.
- Muita gente acha que é mentira.
- Eu não.
- Mas eu nem falei ainda.
- E eu já acho que é verdade, olha só.
- Acha nada.
- Acho, juro.
- Tem aquele documentário.
- Qual?
- Em Paris. Ele fala que anda pelas ruas da cidade pra se inspirar.
- Eu vi.
- Então...
- Agora você vai dizer que viu o Chico Buarque compondo enquanto andava por Paris?
- Eu não disse nada.
- O cara rabiscando uma letra embaixo da torre Eiffel, assoviando no Champs-Elysées, batucando uma baguete?
- Por isso que eu prefiro não falar nada. Você não vai acreditar.
- Você é um tremendo de loroteiro. E eu caindo no seu papo-furado.
- Bom, já que você não acredita então nem vou contar onde o Veríssimo fica quando vem à cidade
- Vai dizer que é na sua casa?
- Não conto, já disse. Você não vai acreditar mesmo.
- Mas eu acredito. Conta.
Há um dia