Julien Drouot não acreditou quando o cara da tevê anunciou o seu nome, e sacudiu Annie, que dormia ao lado.
- Eu ganhei. Ganhei, Annie. É minha!
- Ganhou o quê, Julien?
- A televisão de 150 polegadas, tela plana, totalmente digital, som estéreo futurista e disco rígido interno. Tem até despertador automático, com uma imagem holográfica do Charles Aznavour cantando La Bohème na nossa própria sala. Uma maravilha tecnológica.
- Que história é essa?
- Eles fizeram uma pergunta, e aí escolheram a resposta mais criativa.
- Que pergunta?
- "Qual a diferença entre a mulher e a televisão?"
- E o que você respondeu?
- O controle remoto!
- Você continua de uma finesse sem par, Julien. Mas me diga então onde vamos colocar essa outra tevê. Não vai caber nos nossos quinze metros quadrados.
- São dezesseis e meio, Annie. E eu já pensei em tudo. A gente pode botá-la no lugar daquele objeto marrom ali na parede, que eu nem sei bem pra que serve.
- Aquele objeto marrom ali na parede é o armário de louça. E você não sabe pra que serve porque nunca lavou um só copo na vida.
- Não é verdade. Semana passada eu lavei dois. Tá certo que um deles escorregou e quebrou, mas o outro ficou inteirinho.
- Foi por essas e outras que ontem comprei um lava-louças.
- Um lava-louças? E em que lugar vamos pôr esse monstro?
- Não se preocupe, Julien. Minha mãe vai ajudar a organizar tudo.
- Sua mãe?
- Ela chega na quinta.
- Agora são dois monstros...
- Dessa vez não fica muito tempo não, só um mês.
- Um mês?
- Chato, né? Eu também queria que fosse mais, mas ela disse que não gosta de incomodar.
- Por mim, tudo bem. Só que a velha vai ter que dividir o sofá com o Clement Diderot, que vem passar uma semana em Paris e pediu pra dormir aqui em casa.
- Clement Diderot, o gordo roncador?
- O próprio. Ele vem defender o título do Campeonato Francês de Arroto.
- Ele é asqueroso! Minha mãe não vai agüentar ficar aqui.
- Olha que sorte: eu conheço um hotel baratinho e super limpo a quatorze estações de metrô daqui. Quinze, talvez. Ela vai adorar.
- Você nunca fica feliz quando minha mãe vem.
- Não é verdade. Ela diz coisas que eu adoro.
- Jura?
- Claro.
- O quê?
- "Estou indo embora", por exemplo.
- Julien, você é um grande cretino.
- Annie, você é uma chata de galochas.
- Amanhã me mudo pra casa da minha amiga Marie.
- Não precisa se incomodar. Vou agora mesmo pro apartamento do Pierre. Sábado passo pra pegar minhas coisas.
- Aproveita e leva as suas cuecas furadas, que só entopem as gavetas.
- Pode deixar. Assim você vai ter mais espaço pra todos aqueles tubos e potes de pastas e pomadas.
- Saiba que são cremes de beleza caríssimos.
- E por que não funcionam?
- Suma!
- Fui.
Julien sai e bate a porta. Mas volta minutos depois, com a voz doce e um sorriso no rosto, e entrega um bilhete à Annie. Ela sorri também.
- Annie, pensei bem e tenho uma coisa super importante pra te dizer.
- Diga, mon amour.
- Você pode mandar a televisão nova pra esse endereço aqui?
Há 2 dias