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Enquanto lê o texto, escute Carta ao Tom, do álbum Vinicius & Caymmi no Zum Zum
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Paris, 6 de janeiro de 2012.
Vinícius querido,
Estou aqui no meu escritório, que é a sala da minha casa, que dá para o jardim do pátio interno que nunca é frequentado por viv’alma.
É meio dia em ponto, e o banzo lentamente se instala em mim, prenúncio das mudanças iminentes. Passo longos minutos olhando para o nada que entra pela janela e é impossível alguém estar mais reflexivo do que eu. Nesta hora, decido escrever essa carta e mesmo que nunca a envie tenho certeza de que você irá recebê-la onde estiver e entenderá o que estou sentindo.
Estamos deixando Paris pra trás, depois de quase cinco anos de uma relação tortuosa com a cidade. Paris é exigente, só aceita amor incondicional. E eu não fui capaz de dá-lo no início da minha jornada, por não enxergar meu reflexo nas águas do Sena como o via na praia de Ipanema ou no lago Paranoá. Por isso muitas vezes me tranquei em mim mesmo e não foram poucos os dias em que não pus os pés fora de casa, principalmente quando o inverno me obrigava a vestir múltiplas camadas de roupa e de isolamento. Você já passou um inverno inteirinho sonhando com o sol do nosso país? É dose, Poetinha.
Quando levantei a cabeça, descobri finalmente os encantos dessa linda moça: os parques e canais e construções e monumentos, as padarias cheias de baguetes e de croissants irresistíveis, o confit de canard que dissolve na boca seguido de um gole de um bom cahors, o metrô que costura a cidade por baixo e os ônibus e bicicletas que a revelam em sua superfície, o cremoso do vacherin fresco e o perfume do comté velho, as flores da primavera e as cores do outono, o calor do verão e a neve do inverno. Acabei aprendendo que até o inverno tem seu charme, veja só.
E aí, meu caro Vinícius, quando percebi j’étais tombé amoureux de cette dame. Paris te conquista de mansinho, sem que você perceba. Ela não tem pressa, como não têm pressa as mulheres cientes de sua própria beleza, que desfilam lentamente diante de nossas retinas. E nós não temos outra escolha a não ser contemplá-las.
É verdade que estou doido para encontrar a família e os amigos do lado de lá do Atlântico, mas sentirei saudades dos que ficam por cá e dos encontros inimagináveis que só Paris é capaz de proporcionar. Veja você que tive a sorte de conversar sobre literatura com o Verissimo, sobre cidades com o Henry-Pierre Jeudy, sobre filosofia com o Lipovetsky e voltei a calçar chuteiras para bater umas boas peladas com o Chico. Fiquei até amigo do Philippe, filho mais velho do seu companheiro e parceiro Baden, o que me fez sentir que conheci um pouco você, por tabela.
Poetinha, quando eu chegar a Brasília, vou correr no Xique-Xique e pedir uma carne de sol completa com mandioca bem molinha, feijão de corda, paçoca e muita manteiga, acompanhada de uma cerveja estupidamente gelada. Vou me dar uma boa dose de brasilidade, que afinal é o motivo principal da nossa volta para minha terra natal.
E mais tarde, em casa, irei desembrulhar cuidadosamente o pedaço de comté que certamente levarei e hei de degustá-lo morosamente, em trevas totais, pensando apenas na amada Paris.
Daniel
Enquanto lê o texto, escute Carta ao Tom, do álbum Vinicius & Caymmi no Zum Zum
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Paris, 6 de janeiro de 2012.
Vinícius querido,
Estou aqui no meu escritório, que é a sala da minha casa, que dá para o jardim do pátio interno que nunca é frequentado por viv’alma.
É meio dia em ponto, e o banzo lentamente se instala em mim, prenúncio das mudanças iminentes. Passo longos minutos olhando para o nada que entra pela janela e é impossível alguém estar mais reflexivo do que eu. Nesta hora, decido escrever essa carta e mesmo que nunca a envie tenho certeza de que você irá recebê-la onde estiver e entenderá o que estou sentindo.
Estamos deixando Paris pra trás, depois de quase cinco anos de uma relação tortuosa com a cidade. Paris é exigente, só aceita amor incondicional. E eu não fui capaz de dá-lo no início da minha jornada, por não enxergar meu reflexo nas águas do Sena como o via na praia de Ipanema ou no lago Paranoá. Por isso muitas vezes me tranquei em mim mesmo e não foram poucos os dias em que não pus os pés fora de casa, principalmente quando o inverno me obrigava a vestir múltiplas camadas de roupa e de isolamento. Você já passou um inverno inteirinho sonhando com o sol do nosso país? É dose, Poetinha.
Quando levantei a cabeça, descobri finalmente os encantos dessa linda moça: os parques e canais e construções e monumentos, as padarias cheias de baguetes e de croissants irresistíveis, o confit de canard que dissolve na boca seguido de um gole de um bom cahors, o metrô que costura a cidade por baixo e os ônibus e bicicletas que a revelam em sua superfície, o cremoso do vacherin fresco e o perfume do comté velho, as flores da primavera e as cores do outono, o calor do verão e a neve do inverno. Acabei aprendendo que até o inverno tem seu charme, veja só.
E aí, meu caro Vinícius, quando percebi j’étais tombé amoureux de cette dame. Paris te conquista de mansinho, sem que você perceba. Ela não tem pressa, como não têm pressa as mulheres cientes de sua própria beleza, que desfilam lentamente diante de nossas retinas. E nós não temos outra escolha a não ser contemplá-las.
É verdade que estou doido para encontrar a família e os amigos do lado de lá do Atlântico, mas sentirei saudades dos que ficam por cá e dos encontros inimagináveis que só Paris é capaz de proporcionar. Veja você que tive a sorte de conversar sobre literatura com o Verissimo, sobre cidades com o Henry-Pierre Jeudy, sobre filosofia com o Lipovetsky e voltei a calçar chuteiras para bater umas boas peladas com o Chico. Fiquei até amigo do Philippe, filho mais velho do seu companheiro e parceiro Baden, o que me fez sentir que conheci um pouco você, por tabela.
Poetinha, quando eu chegar a Brasília, vou correr no Xique-Xique e pedir uma carne de sol completa com mandioca bem molinha, feijão de corda, paçoca e muita manteiga, acompanhada de uma cerveja estupidamente gelada. Vou me dar uma boa dose de brasilidade, que afinal é o motivo principal da nossa volta para minha terra natal.
E mais tarde, em casa, irei desembrulhar cuidadosamente o pedaço de comté que certamente levarei e hei de degustá-lo morosamente, em trevas totais, pensando apenas na amada Paris.
Daniel
12 comentários:
Você também está voltando? Já me basta ficar orfã da Paris do Le Croissant...
Bela crônica, ou melhor, carta. Como sempre.
Dani, o Brasil te espera com os braços abertos e um abraço ensolarado! Paris chorará sua partida, mas ela sabe que dia desses você retornará. Se você a guardou nas retinas ela também o fez...
Uma beijoca transatlântica!!
Fala, Daniel!
Como todos os outros, um belo texto! E daí podemos tirar duas coisas: perderemos esse blog maravilhoso, mas, ao mesmo tempo, poderemos ouvir aqui as histórias contadas por você! Chegando aqui, me avise! Volta quando?
Grande abraço,
Sandro Cunha
Coisa mais linda, Dani. :o) Vamos fazer isso juntos. Com as crianças a tiracolo. E reinventar Brasília. Lindeza viver tudo isso do seu lado.
Puxa Dani, que texto lindo!! Snif, snif... Conheci pouco Paris, mas posso entender o banzo antecipado.
Com certeza todos nós estamos te esperando felizes, de braços abertos, como o Cristo Redentor.
Loulou vai amar o Brasil. Muito sol, praias e calor humano.
Beijos nos três.
Mami
Dani, se não for uma pala intimista por favor conte comigo no Xique-Xique e para qualquer outra das coisas da vida. Abs...
Alpinista caucasiano, lindo post e foto! vem com fé cumpadre, que logo logo a gente volta pra frente!;)
Emocionante!!! Um abraço goiano, Felipe Berocan.
Sorte a minha estar aqui pra receber os pedaços de Paris com a pedacinho a tira-colo. Lindo texto!
Ah não! O blog vai acabar? Diz que não, plis!
Daniel, querido, um bom retorno à casa! Estranho, mas com sua partida me sinto aqui um pouco mais órfã. Porém, ao contrário de você - e não sei se isso é bom ou ruim - não tenho tantas saudades assim dos movimentos e jeitos da casa Brasil. Nos primeiros anos dessa nossa aventura (e nunca antes te disse isso) o Chéri foi uma espécie de ninho pra mim, quem diria. Busquei chão em suas crônicas. Fui uma leitora exata, fiel à sua disciplina escandalosa de sextas-feiras. No último ano, porém, distraída com outros chamados, me perdi e virei uma ‘chéri’ desatualizada. Resolvi chegar aqui de vez, inteira. Descobri, apenas há pouco, que estás finalmente voltando. Acho então que irás, de fato, reinventar Brasília com sua inspirada amiga Carol e as crianças, porém mais que isso, penso que terás que reinventar-te, adaptar-te à velha novíssima casa. Talvez um estrangeiro na própria pátria por um tempo ou por um sempre. É bonito pensar que vieste de mala e cuia e que voltas mais barbado: com uma pós-graduação musical embaixo do braço, uma entrevista exclusiva com Chico Buarque, um pedaço de Comté, uma Charlotte francesa e uma petite Louise de Maio. Sim, sempre terás Paris! Felicidades aos três e (re)descobertas muitas em seu retorno. Fico por aqui, uma Soraya um pouco mais órfã. Obrigada pelo Chéri durante esses anos de exílio…
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