sexta-feira, 9 de abril de 2010

O albino


O La Liberté, o boteco mais bacana do leste de Paris, tem os seus frequentadores assíduos, como o negão de tranças que volta e meia toca Bob Marley no violão público do estabelecimento ou o tiozão de barba com sua eterna camisa do Iron Maiden. Mas o melhor deles é o albino de uns quarenta e tantos anos, que nunca sai de lá. Ele é mais inevitável que almoço de domingo com a sogra em self-service, que ela vai chamar de serve-serve, e a presença inefável do tio rejeitado, que terminará a refeição palitando os dentes com uma mão na frente na boca.

Nunca vi o albino bêbado. Ou talvez nunca o tenha visto sóbrio. Tendo por base o copo constantemente encaixado na mão como se fosse a de um playmobil, talvez nem ele saiba mais diferenciar um estado do outro. Mas essa dúvida dificilmente será tirada a limpo, porque na verdade ela não importa. O que importa é a sua própria existência (do Albino, não da dúvida).

Ele é parte da paisagem do La Liberté e talvez seu principal cliente, certamente mais assíduo que os próprios donos do bar. Vive na companhia da roqueira agora careca. Amiga de boteco, certamente, mas uma relação que parece dividir apenas cervejas.

O albino foi recém-eleito meu personagem preferido do local. Ir lá e não vê-lo é como uma ida à Disney sem apertar a mão do Pateta. Fica aquela sensação chata de ter faltado algo. Compõe o figurino do distinto uma inseparável jaqueta de couro preta por cima de uma camiseta branca, cabelo pouco e branco, rosto geralmente vermelho e um ligeiro ar de "se estou aqui é porque é cool e é cool porque estou aqui". Mas à la française, blasé, como se não fosse com ele.

Meu preferido anterior era o rapper português colecionador de fitas VHS, sempre com duas ou três recém-adquiridas nas mãos. Foi ele quem me ensinou que em Portugal "fiche" quer dizer "legal". Depois disso, conto os dias para voltar a Lisboa e gastar minhas gírias locais. Mas o portuga desapareceu de lá. Na última vez que o vi, entre um verso improvisado e outro, contou-me radiante que estava de mudança para Amsterdã, onde arranjara um bico, ou uma bicada, em um coffee shop. "O melhor lugar do mundo para se trabalhar", disse com brilho nos olhos vermelhos.

Mas o albino, afinal é sobre ele esse texto, eu nunca o vi chegar no La Liberté. Ou ele já está ou materializa-se de repente, ao seu lado, e você nem percebe. Depois desmaterializa-se, podendo voltar a dar o ar da graça a qualquer momento. Alguns dizem que com um pouco de sorte ele te escolhe pra trocar uma meia dúzia de palavras. Outros dizem que com muita sorte ele não te escolhe pra nada. Eu já conversei com ele uma vez. Foi bacana. Principalmente porque ele falava de um assunto e eu de outro, completamente diferentes.

Outro dia cruzei um boteco aqui do lado de casa, onde havia uma banda tocando, e ele estava no meio da pista, pulando ao lado da amiga careca roqueira. Continuei meu trajeto e passei em frente ao La Liberté. Olhei pra dentro com o rabo do olho, como quem olha de soslaio para uma exposição de arte contemporânea marginal, e vi uma figura familiar. Parei e focalizei melhor. Era o albino, pulando ao som de Amy Winehouse ao lado da roqueira careca. Esfreguei o olho e ele sumiu novamente. Pisquei e ele surgiu ao meu lado. Entrei, pedi dois chopes e dei um pra ele, que bebeu e desapareceu mais uma vez.

Leiam as histórias em quadrinhos de Belle & Chico, os irmãos franco-brasileiros.

7 comentários:

Pedro disse...

Na minha cidade, S José do Rio Preto, também tem um sujeito que aparece e desaparece dos bares. Dizem que ele já foi visto em três ou quatro ao mesmo tempo.

Não importa disse...

Trata-se de uma figura onipresente. Tem uma pra cada cidade que possui pelo menos 1 bar pra cada 20 habitantes.
Aqui em Brasília, tem um cabeludo chamado Tararau. Ele vende incenso nos bares do plano piloto e está sempre em todos os lugares. Ao mesmo tempo. Onipresente como um fantasma.

Unknown disse...

Curioso, muito curioso. Um albino que aparece e desaparece, reaparece em outro lugar. Muito curioso. Você já o tocou para constatar que não se trata de fruto da sua iamginação?!
E por falar em desaparecer... Edith anda meio sumida, não?!
(assim como eu... mas pra isso já estou dando um jeito, estava com saudades de seus textos hehehehe)
Bj!

Unknown disse...

hahaha, genial! o tal rapper português eu cheguei a conhecer, uma peça rara mesmo!

Nina disse...

hehehe, vc deve estar ficando esquizofrênico :) brincadeirinha...
Olha, se eu conseguir viajar para Paris, estou querendo encontrar um bom lugar pra ir de noite com minhas amigas, como um pub por exemplo. Estaremos no 19ème e achei legal o site do cabaret sauvage. Vc já foi nesse lugar? É bom? Que outro lugar vc sugere? OBS: nõ queremos nada com tunts-tunts. Bj, Marinas.
marinasdantas@gmail.com

Unknown disse...

Boas olá a todos eu sou o tal portugues desta istoria chamo-me Andre e gostei de saber que ja fui o favorito de alguem, gostaria muito de saber mais sobre a pessoa que escreveu isto porque lembrome de ter ensinado que fiche era legal a alguem, mas a minhas idas a amsterdan nao me ajudam com a memoria,- Sara de ti eu me lembro. a e eu sei o nome do albino a rapariga dessa foto meio desfocada e a minha prima, Abraço a todos

Unknown disse...

Ps:Liliana porque e a conta da minha mulher ups...
assinado: peça rara, LOL
o mundo e pequeno...