Caros amigos, esse é o último texto do Chéri à Paris, projeto que comecei assim que cheguei à França, 5 anos atrás. Não tem mais sentido escrever as desventuras de um brasileiro na terra do fromage agora que voltei ao país do queijo prato.
Aproveito pra divulgar o endereço do meu novo projeto:
www.historiasdequadrinhos.com.br
Muito obrigado a todos que me acompanharam. À bientôt!
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- Din dão, berrou a campainha, com seu sotaque brasileiríssimo.
Fui abrir meio cabreiro, achando tratar-se do vizinho que, dias antes, saíra peladão no corredor para buscar seus jornais, bem na hora em que eu ia para o trabalho. Vai que era ele de novo, querendo, sei lá, um pouco de açúcar, metido em seus (não) trajes habituais.
Espiei cautelosamente pelo olho mágico e não vi ninguém. Voltei pro sofá. A campainha gritou de novo. Olhei e outra vez não visualizei quem teria apertado o botão. Fiquei esperando atrás da porta e a abri de supetão assim que a sineta soou pela terceira vez. Do outro lado, uma mocinha tímida, com um lenço no pescoço e cara de anjo.
- Bom dia, falei.
- Bonjour, respondeu em francês.
- Qui es-tu?
- Sou as suas lembranças parisienses.
- Minhas lembranças?
- Oui.
- E o que você está fazendo aqui?
- Foi você quem me chamou.
- Eu?
- Sim, você. Aliás, chamou a mim e àquele ali.
- Quem? Não estou vendo ninguém.
- Olha de novo, com atenção.
- Eita!, exclamei, surpreso com o súbito aparecimento de um velho ranzinza – E você, quem é?
- Tu ne me reconnais pas? Sou também as suas lembranças, putain!
Não estava entendendo mais nada. Convidei-os para entrar.
- Querem água, café?
- Não, obrigada, sorriu a menina.
- A água tá gelada? Porque eu só gosto de água gelada. E esse café? É arábico? De onde vem? Qual a máquina que você usa? É conservado na geladeira? Porque senão ele perde o gosto.
Depois de revirar a casa até encontrar mel para adoçar o café do velho, que não tomava nada com açúcar, exigi algumas explicações.
- Alors, que faites-vous là?
- Você não escutou a menina? Foi você quem chamou a gente!, gritou o idoso. Se quer que a gente vá embora, é só dizer.
- Calma, só quero entender o que vocês estão fazendo aqui.
- Você nunca notou, mas te acompanhamos desde que você deixou Paris, disse a mocinha num quase sussurro. Você nos trouxe para Brasília.
- Eu?
- É, assim são as lembranças, elas nos acompanham mesmo sem a gente querer. Eu, por exemplo, trago as recordações inocentes das suas primeiras experiências em Paris. A primeira baguete, o primeiro pedaço de comté, a primeira volta no marché d’Aligre, a primeira festa que você tocou como DJ, o primeiro encontro com a Edith, a primeira pelada com o Chico Buarque, o primeiro jantar que você preparou no restaurante associativo da rua, a primeira vez que você esteve em casa com a Louise...
- Só bons momentos.
Fiquei olhando para o nada por um longo instante, até ser interrompido.
- Bons momentos coisa nenhuma, retrucou o velho. Você acha que foram bons porque o tempo apagou as más impressões. Mas estou aqui para te lembrar que a vida não é uma propaganda de margarina.
- De manteiga, você quer dizer, estamos falando da França.
- Isso, a vida não é uma propaganda de manteiga ou de sabão em pó. Você deve se lembrar bem de quando chegou a Paris e as pessoas conversavam ao seu redor. Você não pescava nada.
- Lembro sim. Era duro. Eu ficava perdido...
- Não disse? Quer pior lembrança do que essa?
- Mas também foi ótimo perceber que a língua francesa aos poucos ia fazendo mais sentido para mim. E quando tive minha primeira conversa em francês? Cara, foi sensacional!
- Zut! E do primeiro inverno, lembra? Aquele frio de rachar. Você detesta o frio. Seu dedão congela, seu nariz escorre, sua orelha dói. Isso foi horrível, não foi?
- O frio é dose mesmo. Mas foi no primeiro inverno que eu descobri a neve. Fiquei hipnotizado como uma criança diante de um novo brinquedo. Uma lembrança inesquecível.
- Mais c’est pas possible. O mau humor francês, desse você se recorda bem, né? Tem coisa pior do que o nosso mau humor? Quantas vezes você não teve vontade de estrangular alguém?
- Estrangular nada, guilhotinar! De vez em quando eu queria fatiar um, começando por essa protuberância que vocês carregam no meio do rosto e chamam de nariz.
- Viu só? Nem tudo era flores.
- Mas depois de me irritar algumas vezes eu descobri que o mau humor de vocês não é pra ser levado tão a sério. Faz parte do folclore local, vocês adoram alimentá-lo. E ele ainda me rendeu várias crônicas.
- Mas que droga! Raios de brasileiro otimista! Viveu 5 anos na França e não aprendeu nada? Nem reclamar você reclama mais. Fica achando tudo lindo, fofo, colorido, doce, como se fosse sempre páscoa. Que coisa mais sem graça. Quer saber? Desisto. Fui. Je suis parti!
O velho abriu a porta da casa e desapareceu antes de chegar ao elevador.
- Eita, velho reclamão, disse a menina. Aposto que já foi perturbar outro com sua ranzinzice. Deixa eu ir lá cuidar dele
Abracei-a e ela me deu um beijo no rosto, despedindo-se. Devolvi o beijo e fechei a porta atrás dela. Ao virar-me, vi seu lenço no chão. No mesmo instante, a campainha tocou novamente. Só podia ser ela. Abri.
Era o vizinho, pelado, pedindo açúcar.
28 comentários:
obrigada por todas as delicias que nos fez ler por aqui.
ja to aguardando o novo projeto, pq crônica boa não depende da localização geografica do escritor.
sorte na vida!
show de bola!
Lindo, Dani. Seja bem-vindo! Precisamos reunir a Louise e o Heitor...Grande beijo e aguardo ansiosa o novo projeto!
Geórgia
posta o blog novo pra avisar.
Que bacana este texto de despedida do Blog, estou ansiosa pelas novas crônicas,, pois como bem observado pela Mirelle Siqueira, a boa crônica não depende da localização. Parabéns e siga em frente...Acho que todo os seus fãs te seguirão.\
Boa sorte com os novos projetos, beijos pra vocês 3 ! Manue e Eloi
Cara... Sem muitas palavras. Parabéns!
Obrigado por ter nos presenteado com as suas crônicas!
Abraço saudoso do seu primo...
Parabéns pelo Blog. Excelentes posts para minha leitura matinal antes de começar a ralação diária. A experiência, pelo visto, deve ter sido boa, apesar dos problemas locais. O retornou se deu por qual razão?
Abs,
Vinicius
Quelle jolie fin!
Pode ter certeza que te sigo no projeto novo!
Joyce
Cheguei aqui por acaso...a tempo de ver esta linda cronica. Parabens.
Durante todos esses anos acompanhei você sem fazer nenhum comentário. Também morei na França durante esse tempo e voltei para o Brasil ano passado. Sinto que com você dividi momentos importantes, risadas e situações constrangedoras. Obrigado, Daniel, por ter sido meu companheiro em Paris mesmo que só através desse blog. Você conseguiu me arrancar algumas lágrimas.
No clima da mudança, "Le Roi est mort, vive le Roi!". Parabéns pelo trabalho já feito, vamos ver o que vem por aí. Leitores do Chéri à Paris, fiquem ligados: esse menino sempre me surpreendeu.
Abraços,
Seu Papi
Fui eu que te dei a ideia das lembranças, lembra? Hã?!?!?!?
Poxa, a uns 3 anos atrás (tenho12 anos) me lembro de ter visto esse blog, não li tudo, agora olhei de novo, bem quando tava terminando, que pena!
Eu agora sou viciado em francês, estou me sacrificando pra aprender :D
Tendre l'oreille!
O próximo blog está vindo, quero ver!
Leio há muitos anos, mas nunca tinha comentado. Mesmo quando você voltou continuei lendo, e fico triste em ver que chegou ao fim.
Mas aguardo ansiosamente pelo seu novo blog!
E lia antigamente pensando em um dia viver em outro país também. Criei uma paixão pela França, mas que no fim se perdeu no tempo. Mas a vontade de morar no exterior continuo.
Tanto que hoje estou morando em Boston, EUA. Vou passar um ano aqui, e sempre tento escrever coisas como você escrevia. Mas é difícil, porque suas crônicas são excelentes!
Enfim, muito obrigado por tantos textos, risadas, aulas de francês e estímulos para realizar um sonho!
Abraços,
Andre
Obrigada por nos brindar com suas crônicas geniais nos últimos anos. Que a vida em Brasília tb o inspire bastante. Beijos em vc, Charlotte e Louise (preciso encontrá-los! quero saber das novidades :)
Meu post saiu anônimo. Beijos, Ana Patrícia
Dani, que lindo texto!
Parabéns pelo trabalho maravilhoso durante todo esse tempo. Vc bem sabe que eu li todos, alguns comentei, outros só ri muito e muitos chorei, principalmente de saudade.
Mas agora vcs estão aqui com a nossa Loulou cada dia mais linda. Quero muito que vcs fiquem bastante tempo por aqui e aguardo ansiosamente seu novo trabalho.
Bjs,
mami
Obrigado a todos pela companhia nessa volta pela Gália durante todos esses anos. Até breve!
Daniel
Realmente Paris é fantástica e pude constatar isso quando www.europatravel.com.br me levou à cidade Luz.
Uma pena que acabou :( sentiremos falta dos posts.
Sucesso pra você!
Lindo texto, Daniel!
Sempre li seu blog e tambem voltei, depois de 5 anos, de Paris. Já fez 2 anos! Ainda recebo, alem dos franceses, mais uma menina e um velho americanos pelos 4 anos que vivi nos Estados Unidos. Muitas visitas!hahaha
Parabéns!Espero seu novo blog.
maria belfort
Lindo texto de despedida de Paris!!!
=)
que pena!! adoro seu blog. bem, espero que ele não sai do ar. pois tem muitas postagens que eu ainda não li e quero ler!!
Estou indo a Paris pela primeira vez no final deste mês, e aí resolvi procurar blogs com dicas sobre aquela terra que tanto me encanta mesmo antes de conhece-la. Então encontrei o seu blog. Mas não encontrei dicas. Encontrei muito mais do que isso. Encontrei poesia. Me fez aumentar o encanto que jurava não ser capaz de aumentar antes de sentir o avião pousando em solo parisiense.
Obrigada pelas palavras que, para mim, foram muito mais que simples palavras!
Que texto massa!
Cara, seu blog é muito bom ! me identifiquei muito com tudo ! me via sempre nas mesmas situações, e ainda curti muito porque a maioria só fala o lado bom da França, se alguém me perguntasse muito bem como era a vida na frança para um brasileiro eu iria indicar seu blog que entenderiam.
Grande abraço e sucesso !
Como sempre, muito bom, Sam ! :-)
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