sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O encontro marcado

Um dia desses tive um sonho bem estranho. Tomava uma taça de vinho na place de la République, com uma mulher que não conhecia. O papo era agradável, mas de repente surgiu uma contagem regressiva no alto da minha, digamos, tela mental. E indicava que aquele sonho terminaria em 5 segundos. Caramba, 5 segundos? No melhor da conversa? Quando já começávamos a virar fumaça como o gênio da lâmpada, tive a idéia.

- A gente se reencontra amanhã, aqui mesmo, às 14h.
- Mas onde?
- Na esquina em frente ao KFC.
- Combinado!

Nunca reparei se havia realmente um KFC em République. Fui conferir no dia seguinte, na internet, e para a minha surpresa havia mesmo um, exatamente em uma das esquinas. Nem preciso dizer que a minha manhã foi simplesmente a espera da hora do encontro. Até cheguei adiantado, como não é do meu costume.

Os termômetros marcavam 5 ºC. Moleza para quem já enfrentou -8 ºC. Tanto que fiquei sentado nas mesas do lado de fora, na esquina combinada, um pouco admirado da minha nova condição de imune ao frio. Aí lembrei que estava disfarçado de urso polar, com um grosso casaco de lã e um sobretudo. Bom, quase imune, digamos.

Eu não tinha muita certeza se ela viria mesmo. E além do mais, não seria muito fácil reconhecer um rosto que havia visto apenas uma vez, e em um sonho.

Uma senhora passa e pára em frente ao cardápio. Não era ela. Uma mais jovem vem em seguida, escutando seu iPod no último volume. Olhamo-nos nos olhos. Por um instante, pensei que poderia ser. Mas ela não me reconheceu, então não era.

Observo a paisagem ao redor. No meio da praça, a estátua construída em homenagem à volta da república na França, após o período dos imperadores. As árvores ainda estão secas. A fumaça sai da boca das pessoas quando elas falam. E elas falam os mais diferentes idiomas. Inglês, italiano, espanhol, português, línguas orientais, eslavas e tantas outras que não conseguiria entender nem aqui e nem na China. Muito menos na China, aliás.

Acredito tê-la visto saindo de um café ao lado. Mas essa passa por mim sem nem me notar. Observo uma outra, parada, exatamente no lugar onde combinamos. Parece esperar alguém. Olha impaciente para o relógio e, depois, na minha direção. Passo a mão nos cabelos, disfarçando um aceno tímido. Mas logo pára um carro na sua frente e ela salta pra dentro. Dommage.

O dia está bonito. Céu quase azul. O sol bate nas janelas dos prédios, revelando uma luz transversal e fraca. Apenas o suficiente para fazer dessa uma agradável journée d'hiver.

E é nesse exato momento que percebo que ela está ao meu lado. Na verdade, já estava quando eu cheguei. Reconheço seu rosto. É o rosto de todos que passam por aqui. É o negro, o japonês, o escandinavo, o latino, todos. São os carros, os ônibus, as vélibs, as motos. O KFC e o McDonald's ao lado de tradicionais cafés e brasseries. A senhora fumando, o senhor com as compras, a moça de óculos fashion, a mãe e a filha levando flores para alguém, os adolescentes com guitarras, o cachorro na coleira, o viajante e suas malas pesadas, o casal abraçado e apaixonado, os pombos misturando-se às pessoas, a velha de cabelo tingido de vermelho, as guimbas de cigarros ainda acesas pelo chão, o jovem pai empurrando um carrinho de bebê.

São 14h30. Já estou aqui há mais de meia hora. E ela, Paris, há muito mais tempo do que isso.

23 comentários:

Natalia disse...

Maravilhoso!!! Amei! Parabéns! Natalia

Anônimo disse...

O que Freud diria de tudo isso?

Anônimo disse...

muito bom!

Anônimo disse...

Muito bonito! Foi exatamente aí, na Place de la République, num hotel que agora não lembro o nome,( talvez seja o único na praça ),um belo prédio antigo, que fiquei na 1ª vez que fui á Paris...e me apaixonei pela cidade! Boas e belas lembranças!
Parabéns pelo seu texto, e o titulo lembra o saudoso Fernando Sabino com seu "O encontro marcado". No endereço www.livroparatodos.net, vc.,se quiser, pode encontrar,para download, inclusive,esta e muitas outras obras.

Ana Campos disse...

Cara... KFC!!!
Isso ainda existe! Nem acredito! *o*
Viva Paris!!!! Um dia eu ainda conheço essa "moça" xD

Anônimo disse...

acho que vc está se tornando um francês! muito bom, tia vânia

Natália Vaz disse...

Confesso que fiquei tensa! :|

Anônimo disse...

Parabéns!! Acompanho seu blog há algum tempo, mas essa é sem dúvidas a sua melhor crônica!! Genial, tu é um gênio hehehe.

ewerton luiz disse...

Pensei que fosse uma istáuta, tchê!(relinchos)

Anônimo disse...

É muito bom ler boa e nova literatura e saber que suas raízes estão plantadas em tão fértil solo.
Longa vida a chéri!

Cristovao disse...

Curti, Dani. Tá na hora de publicar o livro, hein?

Unknown disse...

Estilo diferente do habitual. Denso, mas poético. Muito bom. Muito bom.

Anônimo disse...

Você conhece o soneto de Avers, ou o poema "À une passante", de Baudelaire, ou canção de Brassens "Les Passantes"? Leio-os ou ouça a canção. E ainda há um texto de Borges sobre sonhar com passear num jardim florido e acordar com uma flor na mão, ou coisa que o valha....

Sila Rosa disse...

O que mais gosto nessas suas experiências literárias, é que elas me dão a oportunidade de um dia realmente vivê-las. Por isso, obrigada.

Sila Rosa disse...

sim, baudelaire [2]

Uma certa idade... disse...

M a r a v i l h o s o!
a mélange do sonho com a realidade...acho que já fui a um encontro destes!

Gabi disse...

Lindo ! E é exatamente essa sensação que tenho a cada vez que saio de casa apenas para revê-lA.
Paris sera sempre Paris !

Anônimo disse...

Texto lindo, envolvente assim como Paris que tanto amo.
Parabéns! Fantástico!

Anônimo disse...

Cariello, que delícia! Me senti assistindo a versão masculina de Amélie Poulain! rsrsrsrs
Beijocas, aproveite bem essa estada em Caos Brasilis. Mila

Angela disse...

Ótimo texto. Confesso que cliquei nele por causa do título. Amo essa obra do Sabino.
Bjs

Flor Falante disse...

Ay Chéri, que lindo!
Isso dava um clip! Muito delicado, lindo mesmo!
Beijocas saudosas!
Flávia

Anônimo disse...

Olá Daniel, Parabéns pelo seu blog, que coisa mais maravilhosa seus textos.....Estou indo para Paris neste domingo (22) e vou ficar num hotel perto da Republica, sem duvida viverei suas palavras.Sandra

Anônimo disse...

adoro seus textos!
Bisou,
Ana Sílvia