sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Praça da Bastilha, -5ºC


Foi duro sair de casa. Como aliás tem sido nessa época, com os termômetros marcando -5ºC. O curioso é que depois da semana mais gelada dos últimos anos em Paris, quando nevou como há tempos não nevava e chegou a fazer -10ºC, você começa a escutar com uma certa simpatia as previsões meteorológicas que indicam 0ºC para o fim de semana.

- Vai comer ou beber? - Perguntou o garçom negão do café na praça da Bastilha. Exatamente lá onde um dia existiu a famosa prisão, que caiu junto com a monarquia. Pelo sotaque, ele vem de uma das colônias que a França ainda mantém, e insiste em chamar de "territórios além-mar". Apenas um novo nome para uma prática milenar.

Chega o meu café, e a conta ao mesmo tempo. Aqui, eles fazem assim. O copo d'água ele esqueceu. Tenho que lembrá-lo. Logo volta com a água e diz que precisa "encaisser". Como "la caisse" significa "o caixa" em francês, uma possível tradução para o termo seria "encaixar", ou simplesmente cobrar a conta. Encaixar um café a 2,60 euros - 9 reais! - deveria ser motivo para uma nova revolução francesa. Ainda mais com Nicolas Bonaparte no poder, como exibe a montagem fotográfica na capa de uma revista.

Na mesa ao lado, uma senhora pede mais um bule de chá, provavelmente aguardando alguém que não chega. Solidarizo-me. Não com a que espera, mas com a que está atrasada. Pois eu, bom brasileiro, também não sou um especialista em chegar no horário.

Mais na frente, uma outra senhora parece ter visto uma assombração. Ou talvez a assombração seja ela, de tão branca que está, entupida de maquiagem. Considero seriamente a hipótese de ela ser um dos fantasmas que habitam nas redondezas desde a época em que Danton e Robespierre perderam suas cabeças.

Em uma outra mesa, no canto, duas japonesas se esforçam para ler o cardápio. Apontam para um item, riem com a mão na frente da boca e saem sem pedir nada. Eu, mesmo sabendo que provavelmente precisarei hipotecar a casa que ainda nem tenho para poder pagá-lo, peço um chocolate quente.

- Monsieur, un chocolat chaud!
- Un coca?
- Non, un chocolat!

O chocolate chega, e a fatura também, que o garçom cuida de colocar virada para baixo. Desviro. 4,50. Viro de novo.

O casal apaixonado ao meu lado acende um cigarro. Há um ano começou a valer a lei que interdita o fumo em lugares fechados. Mas onde estou, uma varanda na calçada cercada por toldos e que fica ao ar livre nos meses mais quentes, é considerado o lado de fora. Mesmo se não há circulação de ar. Quem disse que não existe o jeitinho francês de burlar a lei?

Apesar do clima gélido, dois alemães loucos (ou dois escandinavos loucos) passam ao lado fazendo cooper, de calça de moletom e camiseta. E dois chineses com frio (ou dois coreanos com frio, sei lá) vêm do lado oposto, segurando com as duas mãos seus copos enormes de café da rede americana Starbucks. Outra mentira sobre os franceses é que eles são antiamericanos radicais, apesar de muitos ainda tentarem resistir à invasão ianque. A prova é a quantidade de McDonalds, sempre cheios, espalhados por Paris, singelamente chamados de macdô.

Às 17h em ponto o garçom avisa que acabou seu horário de serviço e sai encaixando todo mundo. No sentido francês da palavra, é claro, oras.

9 comentários:

Anônimo disse...

Dani,imagino o que você deve estar passando por aí ! -5 é demais, eu não queria estar na sua pele ou melhor só com casaco de peles, muitas peles (sintéticas aquecem?). Aconselho você a não sair de casa porque apesar de tudo a vista da sua janela é muito bonita, embora congelante.
Beijos de mami. Você vem no Carnaval? Mais beijos......

Natália Vaz disse...

"Ou talvez a assombração seja ela, de tão branca que está, entupida de maquiagem". Com 0º eu nunca precisaria nem de blush. O nariz seria o primeiro a mandar todo o sangue possível para a extremidade. As boxexas sugariam o resto do sangue do corpo numa tentativa (talvez) malograda de conseguirem algum tipo de aquecimento. Passo um protetor labial para a boca não ressecar por causa do frio. Bingo! Estou maquiada! =D


Bjos Dani!

=)

Anônimo disse...

Brilhante! Paris e seus cafés são um só, e a crônica transmite exatamente o que é essa instituição francesa.

Parabéns mesmo!

Unknown disse...

Café a 2,60 euros é a única coisa, digamos assim, que me impede de morar em Paris... (aaah-tá!)

Daniel, o texto dessa semana saiu bem carinho, né?! hehehehe

Quase me senti por aí... quase não pela fotográfica descrição, mas porque está fazendo um calor de fornalha aqui nos trópicos... não dá nem pra imaginar o que seria -5°C... nem a cerveja chega a isso...

Luiz Marcelo disse...

Vc anda mudando de estilo, não é? O melhor que as mudanças já estão saindo dominadas pela sua pena. O senhor, cada vez melhor. Forte abraço!
Luma

Paulinha disse...

Olá Daniel!
Achei seu blog pelo google e adorei!!
Estou indo visitar Paris em Fevereiro e como nao é a primeira vez gostaria de saber se vc podia me dar algumas dicas de coisinhas nao turisticas tradicionais para fazer. Meu e-mail paulasmuniz@yahoo.com.br
beijos e boa sorte com o frio e velhinhas fantasmagóricas...rsrs!
Paula Muniz

G disse...

Muito bom, Dani!
To estudando francês aqui, me preparando para uma futura visita. A minha professora é uma francesa completamente louca, eu até me sinto um pouquinho na França! Vc precisava ver, na primeira aula, ela nos ensinou a fazer pedidos num café. Falou para pedirmos "un demi, s'il vous plait" quando estivermos sem dinheiro porque é a coisa mais barata para se tomar na França, ou "un kir, s'il vous plait" para quando nossa família estiver nos enlouquecendo. Hahahahaha! E quando ela fez a gente fazer um teatrinho cliente-garçom no café, ensinou os que fazem o papel de garçom a sempre responder primeiro "un moment, madame" e só depois de uns minutos, ir lá ver o que a tal quer!

Unknown disse...

Daniel, fiquei 18 dias em Paris, mas em março de 2009. Estava fresquinho, como dizia um brasileiro que nos serviu de guia, mas, para mim, estava fazendo muito, muito frio! O próprio guia vestia paletó e e gravata, um outro casaco por cima e um sobretudo! E ainda dizia que estava fresquinho ... Bom, parabéns pelo seu blo, é sempre bom ouvir notícias de lugares distantes. Escrevo para lhe perguntar se você conhece alguma fonte de consulta para eu saber quais são os dias mais frios em Paris e, geralmente, em qual época do ano em que neva. Voltarei a Paris em 2010, janeiro ou fevereiro, mas não quero pegar os piores dias ... mesmo que as praças cobertas de neve produzam uma agradável e nova imagem (ao menos para mim), mas mesmo assim não pretendo pegar dias com muita neve, pois creio que isso atrapalharia os passeios que desejo fazer. Abraços. Daria para responder por aqui ou mandar algo para meu email? Meu e-mail é bachelor e está no UOL.COM.BR - bachalor@uol.com.br (faço assim pois não sei se este blog apagas os endreços eletrônicos. Abs. Samuel.

Oliveira, S disse...

Daniel, fiquei 18 dias em Paris, mas em março de 2009. Estava fresquinho, como dizia um brasileiro que nos serviu de guia, mas, para mim, estava fazendo muito, muito frio! O próprio guia vestia paletó e e gravata, um outro casaco por cima e um sobretudo! E ainda dizia que estava fresquinho ... Bom, parabéns pelo seu blo, é sempre bom ouvir notícias de lugares distantes. Escrevo para lhe perguntar se você conhece alguma fonte de consulta para eu saber quais são os dias mais frios em Paris e, geralmente, em qual época do ano em que neva. Voltarei a Paris em 2010, janeiro ou fevereiro, mas não quero pegar os piores dias ... mesmo que as praças cobertas de neve produzam uma agradável e nova imagem (ao menos para mim), mas mesmo assim não pretendo pegar dias com muita neve, pois creio que isso atrapalharia os passeios que desejo fazer. Abraços. Daria para responder por aqui ou mandar algo para meu email? Meu e-mail é bachelor@uol.com.br. Abs. Samuel.