sexta-feira, 12 de junho de 2009

Sorrisos à venda


As compras de legumes e verduras eu faço no Marché d'Aligre. Tudo fresco, barato e cada dia mais bio, o equivalente francês para orgânico e nova moda entre os "bobôs" parisienses. Eles adoram escolher um melão cuidadosamente cultivado sem agrotóxicos ao mesmo tempo em que fumam um de seus inseparáveis cigarros, colaborando para as frutas terem ao menos um mínimo substâncias maléficas. Afinal, natural é bom, mas sempre falta aquele toque de urbanidade.

Para outros produtos essenciais à sobrevivência, como vinhos, queijos e potes de 500g de Nutella, vou ao Franprix, uma enorme rede de "supermarchés de proximité", supermercados de vizinhança. Em Paris, eles são mais numerosos do que excursões de japoneses ao Louvre. Só na minha rua tem três. E apesar da possibilidade de escolha eu sempre vou ao mesmo. O que tem a maior fila, claro. Para essa atitude deve existir alguma explicação sociológica. Brasileiro não pode ver uma fila que já vai entrando, como no caso do sujeito que esbarrou em uma de dobrar a esquina.

- A fila é pra quê, minha senhora?
- Sei não, vi esse tanto de gente aí e entrei.
- Opa! Então vai dando um passinho à frente, faz favor. Tô nessa.

Ou talvez a minha preferência pelo grande Franprix se dê pelo, na falta de expressão melhor, material humano ali presente. Apesar de esse termo sempre dar margem a uma dupla interpretação, do tipo "quem deixou esse material humano bem no meio da rua?".

O fato é que lá tem um segurança e espécie de capataz com pinta de malhador regueiro. Uma mistura de Chuck Norris e Bob Marley. Quando há crianças, ele confere se tudo vai bem na seção de chocolates. Se um produto está com preço errado, é ele quem verifica o correto. Sempre com um sorriso, sua presença já é suficiente para garantir a ordem no lugar. Até porque duvido que alguém deseje ver seu lado marombeiro em ação.

Mas o melhor são as moças dos caixas: a japonesa que quase não fala francês, a descabelada simpática e atrapalhada, e a minha favorita, a ranzinza. Se houvesse um campeonato mundial do mau humor, ela chegaria às finais com facilidade.

Quando eu digo "bonjour", ela abre a caixa registradora e não responde. Quando não falo nada, ela faz questão de me cumprimentar, encarando-me profundamente, como quem pensa "esse pulha não vai falar bom dia?". Seu olhar é tão fuzilante que tenho certeza de que ela seria capaz de escanear o código de barras dos produtos só passando o olho neles.

Na hora de pagar, se dou moedas, ela bufa, reclamando de ter de contá-las. Se são notas, ela saca logo uma pilha imensa de moedinhas pra me dar de troco, e as conta lentamente. E de vez em quando me olha, talvez imaginando que não conseguirei colocar todas aquelas peças no meu bolso. Nesse momento acho que vejo nela uma ponta de satisfação.

Dia desses percebi algo que nunca havia notado: no crachá, logo abaixo do seu nome, tem escrito "meu sorriso é cortesia". Pensei em reclamar com o Chuck Marley da mercadoria não entregue. Mas ainda estou avaliando se vale correr o risco.


Mais uma novidade no blog: o podcast Connexion Française, disponível ali na barra lateral direita.

Trata-se de um bloco feito para o programa Senhor F, que passa todas as 5as feiras na Rádio Cultura (DF). Minha participação começa semana que vem, e será quinzenal. Gravo daqui um bloco de cerca de 15 minutos, envio para Brasília e disponibilizo também no blog. O assunto: música feita e/ou escutada na França.

Espero que gostem!

11 comentários:

Flor Falante disse...

Ô cara, você arrasou!!!
Adorei o texto, a fila, o material humano, as moedinhas, o sorriso de graça não entregue, o Conexión e a banda, claro!
Olha Dani, melhor não mexer nem com a moça que não sorri, nem com o Chuck Marley, pois vai que você atiça neles algo oculto, uma personalidade variada... Imagine se ela começar a gargalhar enlouquecidamente com olhos esbugalhados e o Chuck resolve mostrar seu lado mais selvagem, usando um tacape que até agora você não tinha visto!
Acho que o risco não vale mesmo! Continue sorrindo, continue sorrindo!
Besitos
Flor

Du disse...

Poxa.. "Revolver" é bom demais! Quero o CD!! Bom gosto!

Andréa disse...

Dani, estou doida pra comprar frutas com você na Marché d'Aligre!!!
Beijos,
Déia.

Chiris disse...

ah, não, daney! agora você TEM que comentar com o chuck marley a falta de sorriso da caixa ranzinza! mas não sem antes averiguar os sentimentos de um pelo outro. vai que eles são namorados e ela só não sorri pra você porque sabe que ele é muito ciumento e isso desencadearia a transformação de chuck em hulk marley... nesse caso, a sua reclamação poderia render não só uma nova história mas um olho roxo e algumas fraturas expostas. hehehe
beijo!

Juliana disse...

A Ranzinza seria uma versão francesa da gloriosa Aracy de Almeida??

Unknown disse...

Multi-polivalente-Daniel,
gastei bons minutos tentando visualizar esse "Chuck Marley"...os resultados foram todos bizarros...
.
Os funcinários do Extra (todos os funcionários de todos os Extras do planeta!!)devem receber treinmento usando um manual escrito por essa simpática mocinha aí de Paris... As semelhanças no trato com clientes são impressionantes! Lendo seu texto tinha certeza que vc iria falar do Extra! A única diferença é que, por aqui, se vc quiser um sorrisinho, terá de pagar por ele! hehehe
.
Bjs

l. disse...

Faaala, Cariello! Beleza? Vou passar um finde aí em Paris em Agosto. Me manda um mail! luciocaramori[at]mac.com.
Abs!
l.

Soraya disse...

A Connexion Française está um charme
A música do Revolver uma graça
E o seu texto bom

Desejo sucesso nesse novo projeto.

Continuo aqui...

Soraya Salomão

Flavia Lorenzi disse...

j'adore! melao com cigarro... paris... conexões!

Lo disse...

Chorei de rir, o francês é froid! o mau humor hoje em dia me faz rir tb. no começo a gente fica P da vida procurando um ser humano pra nos dar um sorriso ou um bonjour sem falsidade. Depois tudo vira piada!

Lo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.