Paris, Gare du Nord, Eurostar em direção a Londres. O trem liga as capitais em duas horas e quinze minutos. Exatas. Britânicas. Pros franceses, o Eurostar é o TGV inglês. Pros ingleses, o TGV é que é o Eurostar francês. Pra mim não faz a menor diferença, e o impressionante é que ambos correm pacas. Trezentos quilômetros por hora. É quilômetro à beça. Só lamento que essa tecnologia toda tenha feito desaparecer pra sempre aqueles momentos heróicos quando o good guy, ou le gentil pros franceses, vem galopando alucinadamente e salta a bordo do trem já em movimento. Mas na verdade já tem um tempo que não se vê nas ruas alguém galopando alucinadamente.
A bordo, o comandante francês (não tem piloto em trem, então o cidadão no comando deve ser o comandante) dá as instruções nas duas línguas. Franceses adoram falar mal inglês. Eles fazem questão de pronunciar as palavras da pior maneira possível, no limite do compreensível.
- Leidís et gentlemêns, zis tram goes to londôn.
No banco à esquerda, uma menina lorinha e sardenta saca o celular e começa a tagarelar com alguém do outro lado da linha. Primeiro em francês, depois em inglês. E acaba por embaralhar as duas línguas. Ela fala alto, ri alto e quase chora alto, numa mistura de semi-catarse poliglota e terapia do desabafo, se isso lá existe.
O sujeito da frente, de bigodinho estilo malandro carioca anos 40, cordão de ouro no pescoço, bermuda e aquelas sandálias abomináveis que se fecham com velcro quase na altura da canela, também telefona, querendo passar a alguém o número de uma terceira pessoa. No meio da operação, a ligação cai, e ele solta um "merde". Tenta uma segunda vez, cai de novo, outro "merde". Empreende uma terceira investida e junto vem o terceiro "merde". Algo não cheira bem, literalmente. E de fato a senhora ao lado dele levanta-se em direção ao banheiro. Todos aqueles "merdes" a inspiraram, parece.
- Leidís et gentlemêns, zis tram is goíng to pass ze tunnél.
E a gente entra no túnel que passa por debaixo do Canal da Mancha. Uma obra impressionante. No meu bairrismo brasileiro, com aquela mania de querer ser o maior do mundo em tudo, questiono-me se ele é mais extenso do que o Rebouças, no Rio. E repito o desafio - contando agora me parece um pouco idiota - feito toda vez que atravesso o túnel carioca, mesmo se estou ao volante: prendo a respiração até o limite, para ver se saio do outro lado em um só fôlego. O máximo que consegui foi uma considerável quantidade de xingamentos, quando o carro já começava a ziguezaguear. Constato empiricamente que esse buracão que liga a Inglaterra à França (segundo franceses) ou a França à Inglaterra (segundo ingleses) é realmente mais extenso. Fato definitivamente comprovado ao ter minha vizinha me sacodindo após eu, já meio roxo em decorrência da apnéia, bater a cabeça no banco da frente pela 4a vez. Certas manias não se perde nunca.
- Laidís et gentlemêns, zere are two restaurants in zis tram: one at ze couche numbêr twelve et one at ze couche numbêr zeven.
Atrás, escuto uma voz feminina contando uma história qualquer a alguém, concluindo que "os três não vão chegar na hora, pois perderam o trem. Mas devem pegar o próximo". Cinco minutos depois, a mesma sujeita começa a repetir a mesma história à mesma companheira. Talvez esquecera algum detalhe. Talvez queira compartilhar a angústia com os outros cinquenta passageiros do vagão. Ou talvez seja só uma chata de galochas mesmo, possibilidade por mim imediatamente aceita como verdadeira. Incomoda esse pessoal que fala a mesma coisa várias vezes. Me exacerba, sabe?, quem reproduz o mesmo discurso infinitamente. Treco mais irritante é essa idéia de repetir para certificar-se de que a pessoa entendeu mesmo. E no auge da empolgação da supracitada dama, quando chegou à parte do "devem pegar o próximo trem", o comandante interrompe a programação normal para mais um anúncio.
- Laidís et gentlemêns, zis tram is arrivíng at ze Saint Pancras Statiôn. Ze local time is eití o'clock. Ave a gud night.
Yes, we'll ave. And zank you.
Há 2 dias
13 comentários:
haha, adorei o inglês!
adoreeeeei o blog. da uma lida no meu tbm, eh um pouco diferente mas eh tbm de uma brasileira na europa. eu dou dicas de espetaculos e filmes brasileiros em londres. vou te add na minha blog list e rss e vc fique a vontade pra fazer o mesmo. te mais.
Puxa Dani que coragem! Fiquei preocupada com a história da apnéia. Ai,ai,ai, não faça mais isso!!!
Beijos e saudades de Mami
Amei este blog!!!
Sobre os franceses: temos que considerar que eles tem personalidade...rsrsrs
Não vinha aqui há séculos. Fico feliz que os textos continuem me encantando assim como faziam há algum tempo.
PS: Faço a mesma coisa em todos os túneis. Só que faço três pedidos. Se eu conseguir prender a respiração, um deles se realiza. É a lenda belo-horizontina. Hahhaha...
Oi Daniel,
valeu pelo chope e o samba brasileiro em Paris.
Abracao,
Leo
Rindo sozinha na frente do computador imaginando vc segurando o fôlego! Ainda bem que não ligo se me acham louca, rsrsrs.
hehe... Muito bom. Abs
@sergioraposo
Já leio seu blog há um tempo, mas só hoje tomei coragem pra comentar! hahaha
É muito legal seu blog! Sempre quis conhecer Paris, e lendo aqui conheço um poquinho né? =)
Já fiz propaganda pra todos meus amigos hahaha
Parabéns, você escrvee muito bem!
Abraço
André
Meu Pai Eterno...
Não acredito que você segura a respiração no túnel!
Adorei o seu inglês com sotaque francês!!!
Muito legal o texto!
Beijocas
Flávia
Valeu a todos pelos comentários! Nenhum de vocês segura a respiração no túnel? Achei que fosse normal isso...
Abraços!
Adorei o blog! Eh bem esse o inglês dos franceses mesmo. Em vez de th, toujours o zzz. Experimente perguntar para um francês se ele conhece o programa Big Brother. Ele não vai entender, tem que falar Big Brozzzzééérrr! Ah, ai sim. Tem também o spiiidermãn, o homem-aranha daqui. Mesmo quem fala bem o inglês aqui, quando fala com outros franceses, usa as palavras em inglês de maneira afrancesada, porque senão (dizem eles), parece esnobe:)
A pergunta é cade você que veio a Londres e não me lsequer mandou uma mensagem. Bastard!!!
adorei o post!!!!
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