sexta-feira, 26 de junho de 2009

A trezentos quilômetros por hora

Paris, Gare du Nord, Eurostar em direção a Londres. O trem liga as capitais em duas horas e quinze minutos. Exatas. Britânicas. Pros franceses, o Eurostar é o TGV inglês. Pros ingleses, o TGV é que é o Eurostar francês. Pra mim não faz a menor diferença, e o impressionante é que ambos correm pacas. Trezentos quilômetros por hora. É quilômetro à beça. Só lamento que essa tecnologia toda tenha feito desaparecer pra sempre aqueles momentos heróicos quando o good guy, ou le gentil pros franceses, vem galopando alucinadamente e salta a bordo do trem já em movimento. Mas na verdade já tem um tempo que não se vê nas ruas alguém galopando alucinadamente.

A bordo, o comandante francês (não tem piloto em trem, então o cidadão no comando deve ser o comandante) dá as instruções nas duas línguas. Franceses adoram falar mal inglês. Eles fazem questão de pronunciar as palavras da pior maneira possível, no limite do compreensível.

- Leidís et gentlemêns, zis tram goes to londôn.

No banco à esquerda, uma menina lorinha e sardenta saca o celular e começa a tagarelar com alguém do outro lado da linha. Primeiro em francês, depois em inglês. E acaba por embaralhar as duas línguas. Ela fala alto, ri alto e quase chora alto, numa mistura de semi-catarse poliglota e terapia do desabafo, se isso lá existe.

O sujeito da frente, de bigodinho estilo malandro carioca anos 40, cordão de ouro no pescoço, bermuda e aquelas sandálias abomináveis que se fecham com velcro quase na altura da canela, também telefona, querendo passar a alguém o número de uma terceira pessoa. No meio da operação, a ligação cai, e ele solta um "merde". Tenta uma segunda vez, cai de novo, outro "merde". Empreende uma terceira investida e junto vem o terceiro "merde". Algo não cheira bem, literalmente. E de fato a senhora ao lado dele levanta-se em direção ao banheiro. Todos aqueles "merdes" a inspiraram, parece.

- Leidís et gentlemêns, zis tram is goíng to pass ze tunnél.

E a gente entra no túnel que passa por debaixo do Canal da Mancha. Uma obra impressionante. No meu bairrismo brasileiro, com aquela mania de querer ser o maior do mundo em tudo, questiono-me se ele é mais extenso do que o Rebouças, no Rio. E repito o desafio - contando agora me parece um pouco idiota - feito toda vez que atravesso o túnel carioca, mesmo se estou ao volante: prendo a respiração até o limite, para ver se saio do outro lado em um só fôlego. O máximo que consegui foi uma considerável quantidade de xingamentos, quando o carro já começava a ziguezaguear. Constato empiricamente que esse buracão que liga a Inglaterra à França (segundo franceses) ou a França à Inglaterra (segundo ingleses) é realmente mais extenso. Fato definitivamente comprovado ao ter minha vizinha me sacodindo após eu, já meio roxo em decorrência da apnéia, bater a cabeça no banco da frente pela 4a vez. Certas manias não se perde nunca.

- Laidís et gentlemêns, zere are two restaurants in zis tram: one at ze couche numbêr twelve et one at ze couche numbêr zeven.

Atrás, escuto uma voz feminina contando uma história qualquer a alguém, concluindo que "os três não vão chegar na hora, pois perderam o trem. Mas devem pegar o próximo". Cinco minutos depois, a mesma sujeita começa a repetir a mesma história à mesma companheira. Talvez esquecera algum detalhe. Talvez queira compartilhar a angústia com os outros cinquenta passageiros do vagão. Ou talvez seja só uma chata de galochas mesmo, possibilidade por mim imediatamente aceita como verdadeira. Incomoda esse pessoal que fala a mesma coisa várias vezes. Me exacerba, sabe?, quem reproduz o mesmo discurso infinitamente. Treco mais irritante é essa idéia de repetir para certificar-se de que a pessoa entendeu mesmo. E no auge da empolgação da supracitada dama, quando chegou à parte do "devem pegar o próximo trem", o comandante interrompe a programação normal para mais um anúncio.

- Laidís et gentlemêns, zis tram is arrivíng at ze Saint Pancras Statiôn. Ze local time is eití o'clock. Ave a gud night.

Yes, we'll ave. And zank you.

13 comentários:

G disse...

haha, adorei o inglês!

Vaneweezer disse...

adoreeeeei o blog. da uma lida no meu tbm, eh um pouco diferente mas eh tbm de uma brasileira na europa. eu dou dicas de espetaculos e filmes brasileiros em londres. vou te add na minha blog list e rss e vc fique a vontade pra fazer o mesmo. te mais.

Mami disse...

Puxa Dani que coragem! Fiquei preocupada com a história da apnéia. Ai,ai,ai, não faça mais isso!!!
Beijos e saudades de Mami

Gesiane disse...

Amei este blog!!!
Sobre os franceses: temos que considerar que eles tem personalidade...rsrsrs

Jú Fuscaldi Rebouças disse...

Não vinha aqui há séculos. Fico feliz que os textos continuem me encantando assim como faziam há algum tempo.

PS: Faço a mesma coisa em todos os túneis. Só que faço três pedidos. Se eu conseguir prender a respiração, um deles se realiza. É a lenda belo-horizontina. Hahhaha...

Leo disse...

Oi Daniel,

valeu pelo chope e o samba brasileiro em Paris.

Abracao,
Leo

Unknown disse...

Rindo sozinha na frente do computador imaginando vc segurando o fôlego! Ainda bem que não ligo se me acham louca, rsrsrs.

Anônimo disse...

hehe... Muito bom. Abs
@sergioraposo

Deco disse...

Já leio seu blog há um tempo, mas só hoje tomei coragem pra comentar! hahaha
É muito legal seu blog! Sempre quis conhecer Paris, e lendo aqui conheço um poquinho né? =)
Já fiz propaganda pra todos meus amigos hahaha
Parabéns, você escrvee muito bem!

Abraço
André

Flor Falante disse...

Meu Pai Eterno...
Não acredito que você segura a respiração no túnel!
Adorei o seu inglês com sotaque francês!!!
Muito legal o texto!
Beijocas
Flávia

Chéri disse...

Valeu a todos pelos comentários! Nenhum de vocês segura a respiração no túnel? Achei que fosse normal isso...

Abraços!

Tais disse...

Adorei o blog! Eh bem esse o inglês dos franceses mesmo. Em vez de th, toujours o zzz. Experimente perguntar para um francês se ele conhece o programa Big Brother. Ele não vai entender, tem que falar Big Brozzzzééérrr! Ah, ai sim. Tem também o spiiidermãn, o homem-aranha daqui. Mesmo quem fala bem o inglês aqui, quando fala com outros franceses, usa as palavras em inglês de maneira afrancesada, porque senão (dizem eles), parece esnobe:)

Figueira disse...

A pergunta é cade você que veio a Londres e não me lsequer mandou uma mensagem. Bastard!!!
adorei o post!!!!