É clichê, mas irresistível. Ir ao Brasil é sinônimo de crônica de viagem. Crônica de trajeto de viagem, talvez. Cada detalhe tem um significado diferente quando o caminho tomado é o caminho da casa que você não vê há tempos. Da sobrinha que já fala mais do que a boneca Emília. Da cidade familiar para você, mas estranhamente diferente para quem não nasceu lá. Dos pais, irmãos, avós, tios, primos, amigos, cheiros, gostos, clima, cores e sons dos quais se passa muito tempo longe. Mas que permanecem todo tempo ao seu lado, não importa onde você esteja.
Para alguns, o brasileiro é demasiado saudosista. Não é culpa nossa se a língua portuguesa - ou brasileira, como a chamam na França - é a única a possuir a palavra "saudade". Não é como o "tu me manques", que fala de sentir falta. É saudade. Fácil de entender e difícil de explicar. Uma vez, no curso de francês, a professora pediu para cada um escolher um termo de sua língua e traduzi-lo para a classe. Escolhi "saudade". Não foi fácil. Tentei fazer jus à beleza da palavra, mas certamente diversos de seus sentidos me escaparam.
No avião, olho pela janela. Prefiro os vôos diurnos aos noturnos, mesmo que seja mais difícil descansar, pois adoro observar o céu e o tapete de nuvens. Nuvens que vão mudando de formato à medida que nos aproximamos do Brasil, onde parecem menos densas. Ainda mais quando se chega ao país exatamente no carnaval, época em que tudo está mais leve, mais solto e mais alegre. O carnaval talvez seja o auge da brasilidade. Sé é que podemos definir uma só brasilidade, em um país do tamanho de toda a Europa. Enfim, é esse espírito carnavalesco, feliz e descontraído, o que mais me faz falta do outro lado do Atlântico.
Olho mais uma vez pela janela e, ça y est, começamos a sobrevoar o Brasil. No iPod, coloco pra tocar Pavão Mysteriozo, do Ednardo. Minha primeira memória musical, de quando tinha 2 ou 3 anos. Música que guardo apenas para ocasiões muito especiais. Fico emocionado. Sempre fico quando volto, mas dessa vez é especial, e eu nem sei bem dizer o porquê. Mais uma vez, não dá pra explicar a saudade. Talvez seja realmente muito complexo. Ou talvez seja apenas isso mesmo.
Há 9 horas