sexta-feira, 18 de maio de 2007

Uma camisa amarela

Vesti minha camisa amarela e saí por aí. Na verdade, saí pra Ikea, coisa que jurei nunca mais fazer, nem por todo croissant do mundo. Mas tive que ir trocar uma cadeira que veio com as peças soltando.

O inferno começou cedo. Como todas as lojas da Ikea ficam fora da cidade, não dá pra ir de ônibus ou metrô. Então peguei o carro de um amigo emprestado. O trânsito estava lento feito um escargot ao sol. E aí – só aí – me lembrei de que aquele era o primeiro dia de um fim de semana prolongado.

Entalado na estrada, liguei o rádio, tentando diminuir a agonia. Esforço vão. Do som, um ritmo que demorei um pouco pra reconhecer. E uma voz que levei anos pra esquecer, mas que agora, graças aos franceses, está novamente impressa na minha memória. “Chorando se foi quem um dia só me fez chorar”, lamentava-se a vocalista do Kaoma.

Kaoma? De onde desenterraram isso? Por que aconteceu comigo? Acreditem ou não, essa música ainda toca muito por aqui. Na minha cabeça, milhões de perguntas, enquanto decidia se mudava de estação ou explodia o rádio.

Desliguei o aparelho. Era muito melhor escutar mil buzinas de caminhão a mais um segundo daquilo.

Eras depois, cheguei à loja, já com o meu humor longe de seus melhores dias. Entrei numa fila de reclamações e trocas. Chegou a minha vez, expliquei o defeito pra atendente. Ela saiu para buscar um papel e eu fiquei ali parado, em frente ao balcão. Uma moça veio em minha direção.

- Pardon, monsieur. Eu comprei uma estante aqui, mas ela veio com defeito. Eu trouxe a peça comigo. Como eu faço pra trocar?
- Minha senhora, eu não faço a menor idéia.
- Como assim não faz idéia?
- Não faço.


Brava, ela se virou e não disse nem obrigado. Não entendi nada.

Como já estava no inferno, abracei o diabo. Aproveitei a ida à Ikea pra ver outras coisas que precisava para a casa. Estava decidindo se comprava uma lixeira de cinco ou de dez litros e senti um cutucão nas costas.

- O senhor sabe onde fica a seção de cama?
- Monsieur, eu nem desconfio.
- O atendimento aqui já foi melhor...


Sem ter a mínima idéia do que estava acontecendo, virei abruptamente e bati de frente com um dos atendentes da loja.

- Pardon.
- Pardon.


Aí me dei conta. Ele estava de amarelo, como todos que trabalham lá. Uma camisa igualzinha à minha. A única diferença era um discreto crachá.

De repente me pareceu que os atendentes tinham se multiplicado como gremlins. Estavam por toda parte, distribuindo sorrisos e informações. Naquele momento, querendo ou não, eu era um deles.

Semi-apavorado, lembrei que ainda precisava buscar uns copos no andar de cima. Saí rápido, olhar fixo pra frente, desviando das investidas.

- Monsieur? Gritou um cliente. Passei reto.
- Pardon? Acenou outro com a mão. Entrei no corredor mais próximo.
- O senhor sabe se... Não parei e nem o deixei terminar a frase.

Peguei tudo o que lembrei que precisava e corri para o caixa, desviando de todo mundo que me olhasse um pouco mais fixamente.

Na volta, liguei o rádio de novo. Azar ou destino o Kaoma voltou a atacar nas caixas de som. Desliguei de vez o aparelho. No fim desse pesadelo, uma conclusão: nada é tão ruim que não possa piorar muito. Nem uma ida à Ikea.

8 comentários:

Daniel Duende disse...

Meu querido xará, é numa hora dessas que eu amo minha camisa onde se lê "eu não trabalho aqui". :)

Abraços do Verde.

prolixa disse...

Adoro!!! ler seus posts. É risada na certa. Só você mesmo pra transformar um momento bizarro desse num belíssimo incidente humorístico heheheh BJIM

Anônimo disse...

Adorei, Centelha!
Dançando lambada eh, dançando lambada la! Hehehe...
Beijos, Betina.

tresporquatro disse...

Daniel, se prepara... como as coisas estão indo, dentro em pouco escutará Beto Barbosa tocando nas estações francesas!!! ps: lembra do Beto Barbosa?!?!? hahahahah...

Abraços. Thiago

Anônimo disse...

Le Sociê, mon cher ami!
Je'an un petit zizi!
Je sui un imbecile, un conard, e espece de mule oussi!
Mas o que seu dizer mesmo em português é que seu blog tá do grande caraio di asa, que vc faz muita falta aqui na Brasilha e, mais importante de tudo: "O Sócio brasileiro na França, o Sócio brasileiro na França, o Sócio brasileiro na França!"

E tenho dito!

Abracê!
Capitão Idiotinha

Michelle Coelho disse...

Muito bom linguiça!
Que dia pra escolher amarelo, hein?
Boa sorte e sucesso aí!
Beijo com saudade...

Carol Nogueira disse...

Caraca, tenho uma amiga também passou maus bocados por uma camisa amarela - só que ela foi confundida com uma carteira (uma moça que entrega cartas, entenda-se). Tô com tantas saudades, amigo. Incrível que eu fique sabendo das suas histórias por aqui, e não pessoalmente. :o) Beijo.
PS: Dá, sim, pra ir à Ikea de ônibus ou metrô, viu? Experiência propríssima.

Tucacy disse...

Coaracy transa Kaoma...