Já deve ter acontecido com você: comemoração de Natal na casa do primo distante da sua mãe, missa do Papa na TV, tâmaras em cima da mesa (o que seriam das tâmaras se não fosse o Natal?), crianças gritando pra lá e pra cá e de vez em quando gritando ainda mais alto pois uma delas acabou de ser atropelada por uma quina de parede, e, claro, o pinheiro cheio de bolas coloridas em cima e de presentes embaixo.
Você vai dar uma espiada nos pacotes e descobre um com o seu nome. Fica imaginando o conteúdo. Aquele vinho de uma safra especial que você viu em uma loja e comentou com a família inteira, na esperança de ganhá-lo? Um sapato novo, pois o seu atual e único tem bem mais quilômetros de uso do que deveria? A sonhada coleção de DVDs com todos os especiais de fim de ano do Robertão? A sua ansiedade é compreensível, afinal esse ano o combinado era não poupar. Certamente qualquer uma dessas escolhas te agradaria, ou até mesmo possíveis variações delas, como um champanhe barato, uma chuteira nova para a sua pelada semestral ou a 5ª temporada de Seinfeld.
Aí surge aquele contraparente do seu cunhado, o que sempre puxa o coro "Pre-sen-tes! Pre-sen-tes!", e faz o serviço esperado. As crianças correm na frente, mas alguém as segura e diz que precisam aguardar a vez, como todo mundo. O marido da sua tia, que você apelidou de primo Halley pois ele só dá as caras de longos em longos ciclos, anuncia o primeiro regalado no inevitável amigo oculto. Não por acaso a prima enxutona que todos desconfiam ser sua amante e que ele curiosamente sempre tira no sorteio. Ela o abraça de uma maneira caliente, dando uma mexidinha nos quadris, como uma pom-pom girl americana. O tio Alan, já bêbado, aproveita pra gritar "Essa aí vai comer mais de um peru no Natal". Só ele e o tio Geraldo riem.
Pouco a pouco, os mimos vão sendo distribuídos, mas o seu continua embaixo da árvore. O Thiaguinho, filho do Thiagão, já teve tempo de quebrar o carrinho de controle remoto que ganhou, tentando transformá-lo em um avião de controle remoto, levando junto um vaso de porcelana que estava pelo caminho. E depois de eras, finalmente chega a sua vez. Sendo o último, as atenções estão todas voltadas pra você. A tia Jojô te dá um beijo lambuzado de batom rosa e entrega uma caixa retangular embrulhada em papel dourado. O tio Alan, ainda mais mamado, solta a sua infalível piada anual "É uma bola de basquete". Dessa vez nem o tio Geraldo acha graça.
Como uma criança, você rasga a embalagem. Dentro do pacote, ao invés de um presente, um outro pacote. E dentro desse, outro. E mais outro. Até chegar em uma caixinha pequena. Você faz uma pausa. Todos gritam "A-bre! A-bre!". Você abre. E fecha. Mas a pedidos gerais precisa mostrar o mimo recebido.
- Um chaveiro em forma de avestruz...
A tia Jojô sorri banguelamente e te dá um outro beijo rosa na bochecha ainda imaculada, explicando que "Se você apertar o rabo do bicho, uma luz sai pelos olhos, virando uma prática lanterna". Sem alternativa, você testa a lanterna, mas ela não funciona. A tia Jojô tira duas pilhas do rádio da cozinha e as estende para você, ignorando que elas nunca vão entrar no chaveiro.
Depois das rabanadas de sobremesa, todos correm para ir embora. O tio Alan é o primeiro, abraçado com o tio Geraldo e puxado pela orelha pela tia Marília. Só você e o Thiaguinho não estão apressados. Você já o convenceu de que se desmontarem o chaveiro de avestruz terão as peças necessárias para consertar o carrinho de controle remoto dele. Enfim, coisas que acontecem a todo mundo.
Belle & Chico, os irmãos franco-brasileiros, também ganharam presentes que não queriam. Leia em www.bellechico.com.br
5 comentários:
Amigo oculto no Natal é sempre tenso...ontem, como não poderia deixar de ser, rolou "aquela tão esperada tensão".
Mas vocês fizeram uma falta!!! Pepinho de Papai Noel e a Bibi e a Nena entregando as chupetas pra ele! Foi muito bom, pena que não conseguimos nos falar direito!
Saudades de vocês três!
Muitos beijos!
Chéri, quando li sua crônica de Natal -- de realismo fantástico ou de fantástico realismo, não sei --, pude ver o quanto acertei na educação dos filhos. Isso apesar de você não ter se transformado num valente torcedor do Fluminense e ter aderido ao reino dos urubus. Sempre me pergunto: onde foi que eu errei? Paciência, deixa pra lá! Mas festa de Natal é uma coisa simplesmente deplorável, que sobreviveu à própria descoberta de que Jesus não nasceu no dia 25 de dezembro (antes, achava que bastava riscar essa data do calendário) e resiste à suspeita de que ele nem existiu. Bibi e Nena entregaram as chupetas para Papai Noel (ver Déia, acima), mas... e quando descobrirem que Papai Noel não existe, vão querer de volta? Estará criado um problema psicológico grave e o primeiro contato das crianças com o estelionato político. Tenho pensado muito nisso nos últimos dois dias. Sugiro um ensaio sobre as várias modalidades de "amigo oculto" para o blog.
Hahahaha. Pior que adoro esses chaveiros que saem luzes pelo olhos. tenho um pandinha ;)
Gisela Rao
Papi, não fale mal de Jesus. Além do fato de ele ter nascido no mesmo dia que eu, como é que se pode não gostar de um cara que era cheio de amigos, vivia nas festas, a bebida não acabava nunca e ainda era chegado das putas?
Meu Deus, eu odeio amigo-secreto! Sou a Zica em pessoa: sempre dou um presente caro, bem escolhido, bem pensado e ganho um chaveiro que nem luz pelos olhos solta! De uns tempos pra cá adotei a estratégia do 'não-participo-de-amigo-secreto-nem-f******'. Tem funcionado... me tornei uma pessoa menos ansiosa!! hehehehe
Bj!
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