sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Eu pego o saca saca saca-rolhas


O utensílio doméstico mais importante na França não é um moderno microondas, um fogão de seis bocas ou um lava-louças de última geração. O item que não pode faltar nas casas na terra do vinho é o simples saca-rolhas. Contam até que o General De Gaulle, ao escapar para a Inglaterra durante a 2a Guerra Mundial, só levou consigo dois uniformes militares e duas dúzias de exemplares do singelo objeto. E ainda assim achando pouco (os saca-rolhas, não os uniformes).

Acontece que o nosso modelo, uma espécie de Mercedes Benz dos saca-rolhas - mas sem GPS ou air bags -, resolveu quebrar justo na hora de começar o jantar, antes de abrirmos a garrafa de vinho. Uma tragédia! Vinho é o novo suco de laranja. É a nova Coca-Cola.

Como todo brasileiro, quando a situação aperta tento resolvê-la na base do jeitinho. E como todo homem, detesto perguntar ou pedir favor aos outros. Bater na casa de um vizinho pra pegar algo emprestado é impensável.

De posse dessas duas qualidades (qualidades?), resolvi experimentar novos métodos para arrancar a rolha, que já estava pelo meio do caminho. Primeiro com um canivete, tentativa obviamente frustrada. Depois com os dentes, o que quase me custou um canino. Por fim, decidi cortar a danada com uma faca e socar o pedaço preso na garrafa com um hashi, as varinhas para comer sushi. Depois de aniquilar com a minha paciência e quase arrebentar o gargalo umas três vezes, rendi-me à poesia dos fatos: vinho, só perturbando o vizinho.

Saí cheio de coragem e com a garrafa nas mãos corredor afora, e bati à primeira porta que me apareceu pela frente, com o discurso na ponta da língua: "Desculpai-me vos perturbar a essa hora, mas vós teríeis um saca rolhas, s'il vous plaît?". Se você não disser vós, corre o risco de ganhar um desaforo de brinde. Mas de nada adiantou o ensaio, pois ninguém atendeu. Bati de novo e aguardei mais. Sem respostas. E o jantar esfriando.

Acontece que a teimosia é outra das minhas características. Quando coloco uma coisa na cabeça não tem quem me faça voltar atrás. E naquele momento eu decidira que havia uma missão a cumprir. A abertura da garrafa era prioridade. Era mais importante do que comer. Mais importante do que dormir. Como um cavalo que não enxerga nada além da cenoura à sua frente, eu só visualizava aquele maldito pedaço de cortiça extirpado.

Toquei a campainha do outro apartamento. Aguardei. Ninguém. Toquei de novo. Aguardei de novo. Ninguém de novo ou de velho. Tentei recorrer à vizinha de baixo. Ela haveria de colaborar, afinal temos - ou tínhamos - um pacto. Mas também não atendeu. Dirigi-me então ao apartamento do fundo do corredor. Uma voz salvadora.

- Quem é?
- É o homem da rolha, falei.
- O quê?
- Quer dizer, é o vizinho do 6º, queria saber se você poderia me emprestar o saca-rolhas um momento.
- Bien sûr.

Abriu a porta uma simpática velhinha que está sempre despenteada e com óculos de gatinha, apesar de já passar dos 70 anos. E já com o apetrecho na mão. Peguei-o, resolvi o problema rapidamente e agradeci. Ela despediu-se com um "já sei o que dar pra você de Natal", rindo alto.

Voltei pra casa sentindo-me vitorioso, fiz meu prato e servi uma boa taça daquele vinho. Eu merecia. Provei da sopa, que já virara sorvete de legumes. "Não tem problema", disse a mim mesmo, mantendo o bom humor. "O bom vinho vai compensar o jantar frustrado". Dei uma baita duma golada, mas ele era péssimo, intragável. Joguei o resto na pia, comi uma banana verde e fui dormir. Era o melhor a fazer naquela hora.

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5 comentários:

Anônimo disse...

Banana? mas antes de dormir?
Nada que um miojo não resolva nesses casos, viu?

Júlia disse...

Não dá pra tirar a rolha com o biquinho francês não?

Não importa disse...

"vinho, só perturbando o vizinho."

hahahahaha, paiaço!

mami disse...

Sábio saca-rolhas!
Não foi por acaso que ele quebrou. Ele deve ter sentido o cheiro do vinho antes. Se você aceitasse os fatos não teria ido atrás de outro. Ouça a sua mãe:
Nem sempre é bom teimar!!!!!
Beijos e saudades.
Mami

Natália Vaz disse...

Sabe um jeito muito legal de abrir vinho sem saca-rolhas? Batendo o fundo da garrafa na parede. Mas antes tem que colocar uma grossa camada de pano pra bixa não quebrar. Com umas quatro pancadinhas a rolha tá no ponto de ser arrancada com a mão. Pode acreditar! Já fiz isso com bastante sucesso.

Bjos Daniel.