O direito à greve é uma religião na França, algo sagrado. Mesmo se a noção do sagrado seja um tanto quanto pitoresca em um país que chama todo mundo de vous (senhor), mas Deus de tu (você).
Eu, criado em um ambiente de esquerda, não discuto um só segundo a legitimidade desse tipo de movimento. Já participei de diversas greves e participarei de outras tantas. A questão é que as constantes paralizações na terra do escargot chegam quase a banalizar a coisa. Se você fizer uma busca pela palavra "grève" na Wikipedia francesa vai ver que existem doze categorias diferentes, entre a rotativa, a geral, a de fome, a política e até uma importada, a japonesa. Nesta os trabalhadores ostentam uma braçadeira com reivindicações e frases de protesto. Você meio que vira uma manifestação ambulante e individual.
Mas a minha modalidade preferida é a greve de cinquenta e nove minutos. Trata-se de uma pausa de exatos cinquenta e nove minutos no trabalho. A explicação: a partir de uma hora, o patrão tem direito a descontar o dia inteiro do salário. Então os funcionários retornam à labuta um minuto antes do dead line. Mais engenhoso e francês, impossível.
Falando nisso, lembrei de uma história que não aconteceu comigo, mas com um amigo de um brother de um chegado. Ou não. O cidadão estava lépido e faceiro no metrô, sorrindo como noivo em noite de núpcias. Aí o trem brecou entre duas estações. Depois de um bla bla bla aqui e outro acolá sobre as causas da repentina parada, o condutor avisou no sistema de som: "Senhores passageiros, a partir desse momento estamos em greve. Gostaríamos de contar com a colaboração de vocês".
Fiquei pensando no que seria exatamente esse "contar com a colaboração de vocês". Esperar que os passageiros passassem o tempo ali dentro brincando de adedonha ou fazendo uma aula coletiva de dança de salão? "Bem, vamos lá. Mulheres nos bancos do lado esquerdo, homens nos do lado direito. Cada um escolhe seu par e o brasileiro ali vai improvisar um sambinha pra gente". Ou então fazer todos descerem para empurrar o metrô até a próxima estação? Infelizmente eu não sei como a história se acabou, pois o sujeito não terminou seu relato.
Conto isso porque hoje de manhã escutei no rádio que a greve do RER, o trem de ligação de Paris com seus subúrbios, continua. Deve ser a terceira ou quarta dos funcionários da RATP, a empresa dos transportes públicos de Paris, só esse ano. Mas a notícia mais intrigante não era essa, e sim a de que os funcionários incumbidos de recarregar os caixas eletrônicos dos bancos poderiam também iniciar uma paralização a partir de amanhã. Caramba, eu nunca havia pensado que existiam pessoas responsáveis por isso. Para mim, o dinheiro brotava nas máquinas, simplesmente.
Matutando essas histórias enquanto andava pelas ruas cobertas de neve de Paris, achei que era um bom assunto para a crônica dessa semana. Entrei no prédio e cheio de ideias na cabeça peguei o elevador rumo ao 6º andar. Acontece que ele resolveu ficar bloqueado entre o 3º e o 4º. Logo entendi o recado: talvez por solidariedade, hoje ele também estava de greve.
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6 comentários:
Só não me venha fazer greve no blog pois há tempos já virou necessidade básica da sexta-feira! Bjo!
Melhor nem contar isso pros recarregadores de caixas eletrônicos de BH. Aqui as máquinas já vivem sem dinheiro normalmente, imagina se eles pararem de trabalhar!
Totalmente sem-noção!!!
(pelo menos descobri que o abandono do CBET não foi só por lá, ehhehehe).
Abs e feliz Natal e ano novo!!!
E sabe o que adoro mais no Chéri? A disciplina e pontualidade. Sexta é o dia do Chéri. Você escreve com muito brio, rapaz. E isso importuna, aborrece aqueles meus dias mais parados. Meus dias teia-de-aranha, sem movimento, em que quase tudo adormece. Inspiro-me então na elegância de sua pontualidade e visto vermelho papoula. Muito me admira seu movimento e vivacidade. E, sim, durante esses quase 3 anos, acompanhei todos os seus pontualíssimos posts.
Já estamos em nosso novo apartamento, na capital. Bonito ver a neve no mar. E quando vêm tomar um vinho em terras muito frias? O convite foi sério. Terão aqui acolhida. O vinho é de primeira e o saca-rolhas eu garanto. But just in case, teremos um reserva. Nunca se sabe…
Soraya Salomão
Uma vez eu li que a palavra greve vem do francês,pois grève era a localização diante do rio sena, em frente ao Hotel de Ville e as pessoas iam diante do Hotel de Ville ( a prefeitura) para reivindicar algo e dai surgiu o nome greve.
Os franceses são os reis da greve, mas essa de 59 minutos eu ainda nao conhecia.
bjss
luiza
www.oguiadeparis.blogspot.com
Como sempre estou de boca aberta. Você impressiona cada dia mais...
Adoro seus textos!
E como a Gabi Goulard disse: Só nao me venha fazer greve no blog...
Grande abraço!!!
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