Depois de 8 meses aqui, achei que já falava francês razoavelmente. Conseguia me comunicar sem problemas e entendia tudo o que as pessoas diziam. Mas um dia percebi que ainda tinha um longo caminho a percorrer.
No saguão do meu prédio, dei de cara com o sexagenário dono de um pequeno comércio de "alimentation générale" da minha rua. Ele estava vestido em disdasha, a tradicional roupa árabe, e levava as mãos à cabeça, afoito, enquanto checava os nomes nas caixas de correio e no interfone.
A minha comunicação com ele, até então, ocorria apenas quando eu ia à sua loja, e limitava-se a perguntar se tinha tal produto.
- Tem ovos frescos?
- Oui monsieur.
- Dá pra cozinhá-los à la coque?
- Oui monsieur.
Mas nesse dia o bicho pegou. Ao me ver saindo do elevador, reconheceu-me e veio pedir ajuda.
- Bonjour monsieur.
- Bonjour.
Totalmente irrequieto, andando para lá e para cá, ele começou a falar o francês mais cheio de 'r' que já ouvi. Eu não compreendi absolutamente nada. Nadica de nada.
- Désolé. Eu não entendi.
Alheio ao meu estado flutuante naquela suposta conversa, ele coçava a barba, falava à beça e colocava um 'r' onde podia e onde não podia. Eu virei mero espectador da cena, restando-me apenas pedir ajuda a Maomé. Eis que um minuto depois consegui ajustar um pouco o ouvido pra aquela nova freqüência e pesquei umas palavras. Duas na mesma frase: motocicleta e Edith. Juntei isso ao fato de ele apertar sem parar o interfone da minha vizinha e deduzi que ela devia ter guardado a chave da moto do cidadão, sei lá por que diabos. Mesmo que a história não fizesse nenhum sentido, decidi levar a conversa como se essa fosse a verdade. E entramos num jogo de doidos: cada um falava o que queria.
- Bra bra bra Edith bra bra bra bra bra?
- Não, senhor. Faz tempo que não a encontro.
- Bra bra bra bra bra motocicleta bra?
- De que cor ela é?
Ele foi se empolgando.
- Bra bra bra domingo bra bra.
- Nossa! Já tem quase uma semana?
- Viagem bra bra bra bra?
- Não sei se ela saiu de Paris esses dias. Mas por que o senhor não volta depois do feriado?
Como por milagre, o sujeito acalmou-se um pouco e parou de saracotear pelo saguão. Ainda apertou umas quinze vezes o interfone, mas logo depois desistiu. Veio lamentar-se comigo, com cara de bebê chorão.
- Bra bra bra minha mulher bra bra bra bra.
- Eu sei, eu sei. Também acharia estranho o fato de a moto sumir.
- Bra bra bra bra bra loja.
- Entendo que você precise dela pro seu comércio, mas o melhor a fazer é esperar a Edith aparecer.
- Gentil bra bra.
- Que isso... Precisando é só chamar.
Outro dia passei em frente à sua loja. Ele estava na porta e sorriu discretamente pra mim. Ou os meus conselhos realmente serviram de alguma coisa ou ele ainda achava graça nossa conversa de malucos. Retribuí, mas pelo segundo motivo.
11 comentários:
Já viu? Tem que ver:
http://www.mathieukassovitz.com/english/index.htm
Bra bra bra hilário bra bra bra!
Dani, só você para me fazer rir num momento complicado desses!
Mil beijos para vocês e saudades.
Mami
Curiosamente, a minha colega aqui da APEX tá viajando pras Arábias e tava treinando um vocabulário básico aqui e dizendo esse "salamaleque" sem parar, ehehehee...
Dani,
O mais estranho de tudo, pra mim, é este dialogo:
- Tem ovos?
- Oui monsieur.
- São de hoje?
- Oui monsieur.
Eu, hein! Nunca vi ninguém perguntando a data de nascimento de um ovo antes, mas enfim...
U aleicon el salam!
beijoca,
Pê
...muito bem observado o cometário do(a) Pê... mas, ainda que possa parecer estranha, tenho de concordar com sua preocupação sobre a idade e frescura dos ovos... hehehehehe
Olá! Vi seu blog no Joselitando... Entrei, li e adorei!
Virei leitora!
Daniel, não sei se já te falaram, mas seu blog tá fazendo um baita sucesso aqui em Brasília.
Cara, numca vi um canal tão comentado quanto o seu; sinceramente.
Muito boa a história do Salamaleque!!
Bra Bra Bra saudade!
Abs
Dani;
Seu blog tá fazendo um baita sucesso aqui em Brasília velho!!!
Ótima a história do Salamaleque!!!
Bra bra bra saudade!
Abs
Oi, Pê e Fabicatarse. A pergunta dos ovos é pra saber se dá pra comê-los moles.
Oi, Renata. Obrigado!
Olá, Consumo Consciente. Nos conhecemos? Obrigado também pelos comentários.
Fabicatarse,
A Pê é menina!
Dani,
Continuo sem entender.
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