sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Salamaleque!

















Depois de 8 meses aqui, achei que já falava francês razoavelmente. Conseguia me comunicar sem problemas e entendia tudo o que as pessoas diziam. Mas um dia percebi que ainda tinha um longo caminho a percorrer.

No saguão do meu prédio, dei de cara com o sexagenário dono de um pequeno comércio de "alimentation générale" da minha rua. Ele estava vestido em disdasha, a tradicional roupa árabe, e levava as mãos à cabeça, afoito, enquanto checava os nomes nas caixas de correio e no interfone.

A minha comunicação com ele, até então, ocorria apenas quando eu ia à sua loja, e limitava-se a perguntar se tinha tal produto.

- Tem ovos frescos?
- Oui monsieur.
- Dá pra cozinhá-los
à la coque?
- Oui monsieur.


Mas nesse dia o bicho pegou. Ao me ver saindo do elevador, reconheceu-me e veio pedir ajuda.

- Bonjour monsieur.
- Bonjour.


Totalmente irrequieto, andando para lá e para cá, ele começou a falar o francês mais cheio de 'r' que já ouvi. Eu não compreendi absolutamente nada. Nadica de nada.

- Désolé. Eu não entendi.

Alheio ao meu estado flutuante naquela suposta conversa, ele coçava a barba, falava à beça e colocava um 'r' onde podia e onde não podia. Eu virei mero espectador da cena, restando-me apenas pedir ajuda a Maomé. Eis que um minuto depois consegui ajustar um pouco o ouvido pra aquela nova freqüência e pesquei umas palavras. Duas na mesma frase: motocicleta e Edith. Juntei isso ao fato de ele apertar sem parar o interfone da minha vizinha e deduzi que ela devia ter guardado a chave da moto do cidadão, sei lá por que diabos. Mesmo que a história não fizesse nenhum sentido, decidi levar a conversa como se essa fosse a verdade. E entramos num jogo de doidos: cada um falava o que queria.

- Bra bra bra Edith bra bra bra bra bra?
- Não, senhor. Faz tempo que não a encontro.
- Bra bra bra bra bra motocicleta bra?
- De que cor ela é?


Ele foi se empolgando.

- Bra bra bra domingo bra bra.
- Nossa! Já tem quase uma semana?
- Viagem bra bra bra bra?
- Não sei se ela saiu de Paris esses dias. Mas por que o senhor não volta depois do feriado?

Como por milagre, o sujeito acalmou-se um pouco e parou de saracotear pelo saguão. Ainda apertou umas quinze vezes o interfone, mas logo depois desistiu. Veio lamentar-se comigo, com cara de bebê chorão.

- Bra bra bra minha mulher bra bra bra bra.
- Eu sei, eu sei. Também acharia estranho o fato de a moto sumir.
- Bra bra bra bra bra loja.
- Entendo que você precise dela pro seu comércio, mas o melhor a fazer é esperar a Edith aparecer.
- Gentil bra bra.
- Que isso... Precisando é só chamar.


Outro dia passei em frente à sua loja. Ele estava na porta e sorriu discretamente pra mim. Ou os meus conselhos realmente serviram de alguma coisa ou ele ainda achava graça nossa conversa de malucos. Retribuí, mas pelo segundo motivo.

11 comentários:

Cristovao disse...

Já viu? Tem que ver:
http://www.mathieukassovitz.com/english/index.htm

prolixa disse...

Bra bra bra hilário bra bra bra!

Anônimo disse...

Dani, só você para me fazer rir num momento complicado desses!
Mil beijos para vocês e saudades.
Mami

Felipe disse...

Curiosamente, a minha colega aqui da APEX tá viajando pras Arábias e tava treinando um vocabulário básico aqui e dizendo esse "salamaleque" sem parar, ehehehee...

Anônimo disse...

Dani,
O mais estranho de tudo, pra mim, é este dialogo:

- Tem ovos?
- Oui monsieur.
- São de hoje?
- Oui monsieur.

Eu, hein! Nunca vi ninguém perguntando a data de nascimento de um ovo antes, mas enfim...

U aleicon el salam!

beijoca,

Unknown disse...

...muito bem observado o cometário do(a) Pê... mas, ainda que possa parecer estranha, tenho de concordar com sua preocupação sobre a idade e frescura dos ovos... hehehehehe

Unknown disse...

Olá! Vi seu blog no Joselitando... Entrei, li e adorei!

Virei leitora!

Fábio Gonçalves disse...

Daniel, não sei se já te falaram, mas seu blog tá fazendo um baita sucesso aqui em Brasília.
Cara, numca vi um canal tão comentado quanto o seu; sinceramente.
Muito boa a história do Salamaleque!!
Bra Bra Bra saudade!
Abs

Fábio Gonçalves disse...

Dani;

Seu blog tá fazendo um baita sucesso aqui em Brasília velho!!!

Ótima a história do Salamaleque!!!

Bra bra bra saudade!

Abs

Chéri disse...

Oi, Pê e Fabicatarse. A pergunta dos ovos é pra saber se dá pra comê-los moles.

Oi, Renata. Obrigado!

Olá, Consumo Consciente. Nos conhecemos? Obrigado também pelos comentários.

Anônimo disse...

Fabicatarse,

A Pê é menina!

Dani,

Continuo sem entender.