Antes de passarmos a barreira, lembrei-me do aviso de um amigo: “Velho, Cristiania é um mundo paralelo. Ali você acessa uma outra dimensão, uma realidade muito diferente da nossa. Não é pra iniciantes, fica ligado”.
Entramos um pouco apreensivos e prendemos o ar. Mas logo percebemos que meu amigo havia exagerado. Tudo parecia completamente normal. O céu era esverdeado, como em qualquer lugar do mundo. E a chuva de purpurinas em forma de coração não era forte o bastante para incomodar. É verdade que estranhei um pouco um sujeito vestido de Charles Chaplin que andava plantando bananeira, mas o cachorro rosa ao meu lado me tranquilizou, garantindo que o cidadão só caminhava daquele jeito porque se sentia um pouco indisposto.
Na rua principal, comerciantes de alimentos e plantas ali mesmo produzidos dividiam espaço com enormes placas informando que era proibido tirar fotos e tocar balalaika. Fiquei tão absorvido lendo o informe que quase fui atropelado por um elefante distraído. Não posso reclamar, e culpa era minha, eu estava fora da faixa e não respeitei a preferência do bicho.
Um pouco mais à frente, um pequeno palco recebia uma banda cover de Black Sabbath. A música estava boa, mas porquê um dos músicos estava tocando com uma cadeira de balanço no lugar da guitarra? Comentei o fato com um carinha ao meu lado e ele não sabia a razão. O engraçado é que ele era a cara do Ozzy Osbourne. Não só ele, aliás, mas todas as outras pessoas da platéia. Teve um momento em que todo mundo se virou pra mim, fez o símbolo do heavy metal e gritou um sonoro “yeah!”. Eu berrei um “yeah!” de volta. Daí foi um pulo pra cantarmos Paranoid em coro.
Continuamos nossa peregrinação pelo lugar, sempre tomando cuidado para desviar das poças de areia movediça e dos malditos aviões que insistiam em passar dando rasantes nas nossas cabeças, e chegamos a uma lagoa. Era linda, com suas margens gramadas, sua pequena ponte ligando a uma ilhota e suas águas amarelinhas, de onde saltavam dezenas de peixes e torradeiras. Paramos uns minutos pra relaxar e aproveitar a paisagem.
Cansados da peregrinação, decidimos que o momento da cerveja era chegado. Entramos em um bar curioso, pois havia gelatina no lugar do chão e a única maneira de se locomover era saltando. Entre um pulo e outro, conseguir entrar em fase com um ciclope e perguntei como fazia pra descolar uma bebida. “Nada de mais simples”, ele disse. “Basta entrar naquela fila ali e recitar um ou dois trechos de Goëthe, em alemão”. Escolhi meus preferidos, soltei a voz e solicitei três Carlsberg.
Cervejas acabadas, resolvemos ir embora. Embarcamos na nave estacionada em frente ao bar e eu disse ao comandante Jimi Hendrix o endereço do nosso hotel. Consternado, ele explicou que só poderia nos levar até a fronteira da cidadela, não tinha autorização de passar daquele limite.
É claro que aceitamos a carona de bom grado. Jimi nos deixou na entrada, apertou nossas mãos, tocou fogo na nave e se mandou. Cruzamos a porta de Christiania e soltamos o ar. Ali tivemos certeza de que meu amigo havia inflacionado seu recito, pois aquele lugar nos pareceu muito normal. Pergunta pra Janis Joplin, pro Jim Morrison, pro Andy Wharol, pro Raul Seixas ou pro Timothy Leary, que estavam o tempo todo com a gente.
6 comentários:
Meu caro Chéri, juro que achei um pouco ácido o seu relato do passeio em Christiania...
Encontrou Alice (a dos País das Marvilhas) por lá?
Bjs,
Mami
Da proxima vez me chame pra esse passeio. rs
Follow her down to a bridge by a fountain,
Where rocking horse people eat marshmallow pies.
Everyone smiles as you drift past the flowers,
That grow so incredibly high.
Fez o que tu mais gosta, né?
Muito boa a psicodelia desse texto. Lembra mesmo Lucy in the Sky with Diamonds.
Psicodelia??? pelo que lembro a narrativa obedece aos fatos. O Daniel só se esqueceu do Tarzan passeando de Jet Esqui no lago...
pedro
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