sexta-feira, 22 de abril de 2011

Colocando a cabeça de fora


Nada me tira da cabeça que Nicolas Sarkozy traçou como objetivo de vida ser o presidente mais impopular da história da França. E tudo o que ele faz me leva a crer que essa meta tornou-se uma verdadeira obsessão. Imagino a reunião ministerial antes da tomada recente de mais uma decisão polêmica, a proibição das burcas.

Ministro 1 (coloco em números, porque todos parecem a mesma pessoa) – Sarkô, péssima notícia.
Sarkô- O que foi agora, vai dizer que o Bush cancelou o passeio de barco?
Ministro 1 – Não, isso tá confirmado. Só tivemos que dispensar o Mubarak, que a coisa ficou feia pro lado dele.
Sarkô – Tudo bem, o Mubarak que se entenda com suas esfinges. Mas qual é a má notícia?
Ministro 1 – Você conta, Ministro 2?
Ministro 2 – Bom, é que...
Sarkô – Vamos, desembucha, não tenho o dia inteiro. Ainda preciso telefonar pro Berlusconi pra combinar a próxima festa na casa dele.
Ministro 2 – Não sei como dizer, mas parece que a sua popularidade aumentou.
Sarkô – O quê? Aumentou? Como assim? Quem foi o incompetente que deixou isso acontecer?
Ministro 2 – Foi... Foi você.
Sarkô – Eu??? De jeito nenhum. Semana passada mesmo mandei expulsar os ciganos do nosso território. Deu na TV, no rádio, nos jornais, na internet. Tinha cigana reclamando, ciganinho chorando e ciganão bigodudo revoltado. Uma verdadeira crise midiatizada, perfeita para gerar revolta na população.
Ministro 3 – Mas senhor... Quem tinha que se revoltar já se revoltou faz tempo. Parece que a extrema direita gostou muito do que você fez e foi nesse setor que você cresceu.
Sarkô – Merde! Isso não pode continuar assim. Vamos expulsar uns turistas ainda no aeroporto, de preferência brasileiros. Todo mundo acha brasileiro simpático? Pois eu não. Vai dar uma repercussão enorme.
Ministro 1 – Já fizemos isso uns dois anos atrás, não tem mais efeito.
Sarkô – Então podemos elevar a idade mínima de aposentadoria. Vai incomodar franceses de todas as gerações. Calculo que dê pra perder mais uns 4 ou 5 pontos de popularidade só com essa medida.
Ministro 2 – Isso também já foi feito. Teve passeata e tudo, não lembra?
Sarkô – E você acha que eu perco meu tempo acompanhando esses desfiles estudantis? Esses moleques nem sabem porque estão ali, vão pras ruas pra matar aula, paquerar e fumar bagulho.
Ministro 3 – O que mais podemos fazer?
Sarkô – Uma guerra. Uma guerrinha de nada, coisa pouca, mandar uma meia dúzia de mísseis em um país qualquer. Cada bomba que cair eu caio junto.
Ministro 1 – Acabamos de bombardear a Líbia, Sarkô, e nada mudou.
Sarkô – Zut, alors! Por que ninguém me conta essas coisas?
Ministro 2 – Mas foi você mesmo que decidiu.
Sarkô – Tem razão. É que é tão difícil manter-se impopular que às vezes me esqueço do que já fiz.
Ministro 3 – Você é bom em ser ruim, Sarkô.
Sarkô – Obrigado, mas você sabe que detesto bajulação. Peraí... E se a gente proibisse o uso da burca?
Ministro 1 – Como assim?
Sarkô – A partir de agora, nenhuma mulher poderá mais usar a burca em território francês.
Ministros em coro – Sensacional!
Ministro 1 – Isso vai ser uma agressão às mulheres árabes.
Ministro 2 – Não só às mulheres, mas aos árabes e suas tradições.
Ministro 3 – E a todo mundo que defende a liberdade cultural ou de expressão.
Ministro 1 – Você é uma cobra, Sarkô. Três coelhos com uma cajadada. Vai ter um grande impacto na opinião pública. Sua queda vai ser vertiginosa.
Sarkô – Liberté, égalité, fraternité? Pra quê?
Ministros em coro, batendo palmas – Au, au, au, Sarkozy é genial!
Sarkô – Estamos de acordo, então?
Ministros em coro – Estamos!
Sarkô – Vamos mandar ver?
Ministros em coro – Vamos!
Ministro 1 – Sarkô, já vou convocar a imprensa. Chamo a Carla Bruni pra estar ao seu lado quando você fizer o anúncio?
Sarkô – Tá doido, Ministro 1? Se ela der um sorrisinho pras câmeras o pessoal vai acabar achando simpático. E aí estraga tudo.

4 comentários:

Unknown disse...

genial!!!!

Anônimo disse...

muito bom!!!

Camila Santos disse...

Normalmente eu já adoro suas crônicas, mas acho que você tem um toque todo especial (e um olhar super bem humorado) quando escreve sobre política. Não é fácil falar de coisas sérias de maneira tão descontraída.

Não importa disse...

Olha, esse texto encenado por uma boa cia de teatro ia ficar demais!
hahahahaha... Ficou excelente!