sexta-feira, 2 de abril de 2010

O sorriso do senhor Charles


Um belo dia Charles Lutwidge Dodgson chega em casa e anuncia à sua mãe:

- Mamãe, tenho que falar com você.
- O que você andou inventando dessa vez, Charles?
- Decidi fazer algo diferente. Tô numas de tédio.
- Meu filho, você se lembra da última vez que tentou algo parecido?
- Sim, mamãe. Mas o que aconteceu não foi minha culpa. Eu tinha certeza de que dava pra ver do outro lado do espelho.
- Eu sei. Mas você não deveria ter obrigado o seu primo Jeremias a atravessá-lo. O pobre coitado quebrou a fuça na tentativa.
- A ciência, mamãe, precisa de voluntários. Pelo menos descobrimos que isso ainda não é possível.
- Então, diga logo o que você queria contar.
- Eu desisti da poesia.
. Ah, finalmente um pouco de bom senso. A poesia não leva ninguém a lugar algum. Veja seus amigos Edgar Allan Poe e Walter Whitman. Quem os conhece? O que eles fizeram de importante na vida?
- Mamãe...
- Agora você pode se dedicar exclusivamente à matemática. Estou orgulhosa.
- Mamãe, é exatamente disso que eu quero falar.
- Já sei. Você vai lançar um outro livro sobre as teorias de Euclides?
- Não, também deixei a matemática de lado.
- O quê? Ficou doido? Quer dizer, mais doido do que antes?
- Acabei de escrever um romance sobre uma menina chamada Alice.
- Ufa, não é tão dramático assim. Conta.
- Tem essa criança, Alice, que anda no bosque até surgir um coelho branco.
- Que lindo! É uma fábula, né? Como as de La Fontaine.
- Não exatamente. O coelho tem um relógio de bolso.
- Um relógio?
- Mas está sempre atrasado.
- É um coelho ou um brasileiro?
- Alice o segue até a entrada de um buraco, no qual ela cai. No fundo tem uma porta, muito pequena pra ela. Alice decide beber de um copo onde está escrito "beba-me". Aí ela encolhe de uma vez e fica com o tamanho perfeito pra passar pela porta, só que percebe ter esquecido a chave dessa porta em cima da mesa. Então come um bolo que está no chão, ao seu lado, no qual pode ler "coma-me" e nesse momento ela vira uma baita de uma gigante.
- Charles, o que você tomou no café da manhã? Ovos podres? Vamos agora mesmo ao médico. Você não está bem, dá pra ver.
- Calma, mamãe. Ainda tem mais. Alice entra em um novo mundo. Eu o chamei de país das maravilhas.
- País das maravilhas?
- Sim.
- Um lugar onde tudo é maravilhoso?
- Exatamente.
- E onde não há mais portas minúsculas?
- Não.
- E nem comidas que fazem crescer?
- Tá falando de leite com Neston?
- Leite com Neston?
- Deixa pra lá. Pra entender a piada você teria que ter nascido no Brasil, nos anos 1970.
- E nesse seu país das maravilhas, o que é que tem lá?
- Coisas simples. Um chapeleiro que toma chá o tempo todo e comemora os desaniversários, os irmãos Tweedle-Dee e Tweedle-Dum, que contradizem a Alice o tempo todo, o gato com sorriso enigmático, a Rainha de Copas e seu desejo de cortar a cabeça de todo mundo.
- Mas o que houve com você, meu Charles???
- Esqueci de te dizer, mamãe. Agora me chamam Lewis. Lewis Carroll.
- Lewis Carroll???
- Calma, mamãe. Vou te preparar um chá.
- Ahhhhhhhhhhhhhhhh!
- Mamãe, mamãe. Volta, ainda não acabei... Que coisa, parece maluca.

. Esse texto foi escrito para a revista cultural dos estudantes do Master 2 Journalisme Culturel na Universidade de Sorbonne Nouvelle (original em francês aqui). Decidi criar essa versão em português para o blog.

. Enquanto isso, começa o outono brasileiro. Veja o que Belle e Chico estão aprontando.

4 comentários:

Mirelle Matias disse...

E o filme, apesar da historia ja conhecida, tem a fotografia mais incrivel dos ultimos tempos. Sem falar dos figurinos, ulala, sensacionais!!! Eu adorei.

Jú Fuscaldi Rebouças disse...

Como sempre, amei o texto. Principalmente porque fala de um (tá bem, dois) dos meus livros preferidos de todos os tempos. Amei, amei, amei!

Teresa Souza disse...

adorei. alice é um de meus textos infantis preferidos pois é um sonho e no sonho, podemos tudo! estou louca que chegue no Brasil essa versão do tim burton em 3D. deve ser um presente para os olhos!
beijo.

Luiza disse...

Também amo de paixao Alice, o livro é maravilhoso.Ele é aquele tipo de livro que vc pode ler nao importa a idade, como O pequeno Príncipe.
Tb estou louca para assistir o filme!

bjos
luiza
www.oguiadeparis.blogspot.com