Quando ele entrou na sala vestido com um blazer estilo pagodeiro playboy e com a franja parecida com aquelas vassouras de metal para recolher folhas no inverno, com poucos e separados tufos caindo sobre a testa, eu já deveria ter desconfiado e picado a mula, como outros fizeram. Mas acabei ficando.
O cara havia sido convidado por um professor do mestrado para falar sobre a situação político-administrativa de Montpellier nos últimos 10 anos. Um assunto com o poder de ser incrivelmente desinteressante. Em uma lista feita com os assuntos mais desinteressantes da história, esse veio em terceiro. O segundo foi reservado às possíveis implicações de exames de toque em cavalos da raça mangalarga, e o primeiro ao ciclo de crescimento dos jilós. Era o tipo de tema que, se abordado em um almoço de família, não tardaria uma perna de frango atravessar voando a mesa em direção ao coitado que iniciou a conversa. Na sala de aula o problema era mais complicado, principalmente porque não havia pernas de frango disponíveis no momento.
O lado bom da intervenção é que 30 minutos após seu começo a turma estava na mesma sintonia: se possível, todos pulariam no pescoço no sujeito até que ele mudasse de assunto ou decidisse ocupar o tempo que lhe era reservado de maneira mais útil, cantando, fazendo um concurso de poesias ou ensinando técnicas avançadas de gargarejo.
Com o cérebro em modo off, eu eventualmente captava expressões como “pensar de uma nova maneira os diretórios regionais”, “reaquecer as políticas de incentivo” ou “verbas remanejadas em prol dos produtores de queijos fedorentos”. Uma das alunas divertia-se enfiando o próprio cabelo no nariz. Numa desesperada tentativa de se manter acordado, um outro furava a mão com um canivete. Havia ainda um terceiro que desenhava caricaturas do palestrante em situações não muito confortáveis, como sendo enforcado e em seguida guilhotinado, ou perseguido por uma família de leões famintos.
Uma hora e meia depois, quando os óculos do professor que o convidara já havia caído duas vezes no chão em virtude de inevitáveis pescadas, ocorreu a fantástica cena que salvou a tarde dos alunos e acabou com a do convidado.
Ele acabara de dizer “mas isso não é tudo, tem o outro lado da história que mostra toda a complexidade do assunto”. Aí fez uma pausa dramática, daquelas que só os campeões mundiais da chatice são capazes de fazer, para ressaltar a importância do que viria. De pé, no meio da sala, respirou fundo e colocou uma das mãos no bolso. O que ocorreu em seguida foi tão sincronizado com esse gesto que nas conversas posteriores alguns disseram acreditar por um instante que ele havia acionado uma máquina dentro da calça, ou algo parecido. Mas não foi isso.
Quando a classe atingira o ápice do silêncio, em suspense total, o sujeito relaxou um pouco mais e soltou inadvertidamente um baita pum. Uma bufa tão barulhenta que até acordou uma desavidada que cochilava com a cabeça abaixada na mesa.
- Bom, mas em virtude da hora adiantada, podemos deixar esses aspectos para uma outra ocasião, quem sabe. - Disse o pobre coitado, olhando para o nada, sem saber onde enfiar a cabeça.
Já os alunos sabíamos muito bem onde enfiar as nossas: fora da sala, pois a coisa já começava a cheirar muito mal. E foi isso que fizemos, com o professor correndo na frente.
Há 2 dias
6 comentários:
Uh la lá mesmo.
Morri de rir.
Muitoooo bom.
isso não acontece na minha aula! droga!
Antes de saber o que acontecera eu já estava rindo horrores. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk Contando as horas pro início das minhas pra eu ter várias historinhas legais pra contar.
Bisous Daniel.
Filho, pelo que entendi a situação político-administrativa de Montpellier nos últimos 10 anos cheira mal. Algo como ovo podre ou scargot em decomposição. Acertei? Nem a secular Sorbonne resiste a esse tipo de arma química...
Esse palestrante me cheira mal! Oie..
(Olha a hipálage aí). Rss Salut!!!
Hilário!!!!
Muito bom!!!!
Tânia
Postar um comentário