sexta-feira, 31 de julho de 2009

Mané le Coiffeur - Com ou sem emoção?

Mané le Coiffeur sempre começa suas esculturas capilares, que é como chama um singelo corte de cabelo, com uma pergunta:

- C'est avec ou sans emotion?

Enquanto o cliente reflete, ele improvisa um balé, piruetando com uma tesoura em cada mão e cantando um trecho de Back in Bahia, do Gil: "puxando o cabelo, nervoso querendo ouvir Celly Campelo pra não cair naquela fossa". Música da qual Mané garante ser co-autor. Mas não exige direitos por na época ter ficado bravinho, como diz, com o compositor baiano, que teria mudado a letra originalmente pensada. Era "pintando o cabelo, e depois passando um cremezinho pra não sair aquela palhoça", jura, de tamancos juntos, assegurando no entanto não haver mais nenhuma ponta de mágoa entre os dois. O assunto fora superado "com o passar dos anos, muitos anos".

No seu bureau d'esthétique, a alternativa sem emoção é a mais pedida. E foi a escolhida por um conhecido antropólogo francês que entrou ali de forma meio desprevenida. Mané prontamente sentou-o na cadeira e sacou o cardápio com as opções de corte, divididas por tipo, extensão, cor e inspiração.

- E você, pensador. Como posso satisfazê-lo?
- Queria alguma coisa meio brasileira, meio exótica. Tem?
- Tem eu, fofo. Brasileiríssimo, dos pés ao último fio de cabelo alisado. Serve?
- Tô falando do corte.
- Ai, essa gente sem imaginação... Olha aqui, pra você existem várias possibilidades chi-que-tér-ri-mas. La Tour Eiffel des Tropiques, por exemplo, é um hit. Trata-se de uma elevação cônica das madeixas no centro do cocuruto, com uma singela aplicação de gel. Combinado com uma tintura especial verde e amarela dá um efeito deslumbrante. E até emagrece.
- Esse não é pra mim.
- E o Je Vous Salue Piauí? Primeiro a gente corta tudo bem curtinho. Depois coloca você naqueles secadores gigantes, tipo chapéu, sabe?, na temperatura máxima, até você começar a transpirar como a tampa de uma chaleira. Vai até apitar.
- E aí?
- Aí você se sente no verão piauiense, nem que seja por alguns minutinhos.
- Também não. Queria algo mais ousado.
- Hmmm. Então sugiro o Tropicaliagain.
- Trop quoi?
- Tropicaliagain, Jesus! O preferido de teatrólogos marginais, escritores marginais e estudantes de ciências sociais da Sorbonne.
- Marginais também?
- Sonha, baby. Esses aí só ficam à margem quando vão à beira do rio Sena tocar violão e encher a cara.
- Parece interessante.
- É sim. Dá aquele ar de manifestante do terceiro mundo que você procura, mas sem perder a classe. Classe é tudo, meu bem.
- E como é?
- É todo um processo. Primeiro uma avolumada, depois uma ligeira caracolizada e, no fim, um banho de lama.
- Gostei. E você tira a lama com xampu neutro?
- Tirar a lama? Acorda! Santa, a lama faz parte do look. Você a deixa lá até o cabelo ficar duro. Aí o visual vai estar completo. É como se a Tropicália fosse revista pelo MST.
- Perfeito! Vou fazer o maior sucesso já na próxima reunião de condomínio. Quanto custa esse?
- Depende de quanto você está disposto a pagar.

Disse isso e foi se aproximando, com a boca meio aberta e o olhar lânguido. O antropólogo deslizou pela cadeira com a agilidade de uma cobra coral e ganhou rapidinho a rua.

Não é muito comum clientes escolherem o corte com emoção. Mas às vezes acontece. Como no caso do músico tímido. Tão tímido que só tocava violão dentro do armário. Depois de alguns anos de terapia, ele encheu-se de coragem e decidiu ser mutcho loco, pirar no palco, radicalizar mesmo. E a mudança começaria pelos cabelos.

- Com emoção. E muita. Aproveita que hoje tô valente.
- Valente? Ó-ti-mo. Enfim uma franga intrépida.

Mané le Coiffeur tratou de colocar uma máscara tapando a vista do sujeito. Em seguida, vestiu-o com o avental que impede a roupa de se sujar. O músico não via nada, mas escutava tesouradas, sprayzadas e vários "humm" e "ohh". De vez em quando fazia-se também silêncio, logo interrompido por barulhos vindos dos fundos da loja. Após alguns minutos, o engenheiro capilar baiano fez dois buracos na máscara do cliente, na altura dos olhos.

- Alors, gostou?

Antes de conseguir perceber o corte, o músico reparou que Mané estava em pé ao seu lado, vestido de índia americana, de tanga, cocar e arco e flecha de plástico na mão, e a saliente barriga à mostra. Mas não demorou notar que ele mesmo tinha sido transformado em um Zorro. O avental, preto, era a capa. E a máscara completava a vestimenta.

- Tá valentérrimo. E ainda tem uma espada esperando por você ali atrás, viu? Ou melhor, por nós.

O músico até gostou da mudança. E decidiu ali mesmo montar um grupo com influências country e mexicana. No começo, convidou Mané le Coiffeur para fazer a dança da chuva nos intervalos. Mas foi só ficar um tiquinho famoso e logo esqueceu-se do cabeleireiro. Este lamentou um pouco, mas deu uma jogada de cabelos para trás e decidiu seguir adiante.

- Esses ingratos. Primeiro o Gil, agora o Zorro. Pelo menos no bureau d'esthétique o astro sou eu. Pra consolar, vou ver se o JP não está afim de uma noitada hoje, com muita emoção.

Quem é Mané le Coiffeur?

. Descubra aqui suas origens (e quem é JP).
. E aqui seus ídolos.

5 comentários:

Juliana disse...

kkkk....ligeira caracolizada!!bom demais...aquele estilo descontraido né?casual...poderia até dizer conceitual?A La Soul Train?

Carol disse...

Parabéns pelo texto! Dá gosto de ler :)
Bjos

Unknown disse...

Depois de ler esse texto, fiquei com vontade de mudar o visual... será que o Mané le Coiffeur não tem uma filial no Brasil?! hehehehe Já já vai virar franquia!!
.
Bj!

Luhu disse...

hahahahha! Sensacional!!!

Chéri disse...

Olá, pessoal.

Mané le Coiffeur me confessou que está pensando em voltar ao Brasil para uma viagem. Tem quase 40 anos que ele não põe os pés no país.

Alguém anima recebê-lo no aeroporto (e ganhar um corte - com emoção - grátis)?