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sexta-feira, 29 de junho de 2007
O barbeiro de Paris
Quando você muda de país, as coisas mais simples podem ficar muito complicadas. Cortar o cabelo, por exemplo. Aqui perto de casa tem salões com preços exorbitantes. E, olhando bem as figuras que trabalham ali, não dá muita coragem de encarar não.
Andando em Montmartre, com a juba pra lá de rebelde, avistei um lugar simpático. Por simpático, entenda-se, sobretudo, barato. E o nome colaborava. Paris Coiffure é pra lá de chique.
Ainda meio desconfiado, passei uma vez pela porta. Dei uma olhada de rabo de olho. Passei de novo. Avistei um cliente sentado, a tesoura dançando por suas madeixas. Eu olhava com um certo medo, mas ele parecia muito feliz.
Em todos os meus anos de vida, devo ter ido a uns 5 cabeleireiros diferentes. Não era fácil entrar ali. Mas olhei no espelho e, como um Narciso ao contrário, aceitei o fato: a coisa tava feia. Respirei fundo e atravessei o salão.
- Bonjour monsieur.
- Bonjour. Vim cortar o cabelo.
Ora, é claro que eu tinha ido cortar o cabelo. O que mais se faz em um cabeleireiro?
Esperei minha vez. Sentei, semi-apavorado, e fechei os olhos. Mas resolvi abrir pra ajudar o artesão capilar.
- Um pouco mais ali. Um pouco menos aqui. Aí deixa. Tá ok. Pode parar.
Fiquei impressionado. Ele acertou o corte, de primeira. Saí feliz com o resultado, com as melenas ao vento.
Depois de quase dois meses, precisei voltar lá. Mas só pra tirar um pouco do volume. Cheguei, hora do almoço, e o sujeito que me atendeu da outra vez não estava.
- Ele volta em 30 minutos.
Saí. Tomei um café. Voltei. Ele já tinha chegado.
- Como vai, meu amigo? Quanto tempo, hein?
Não era possível que se lembrasse de mim. Só tinha ido lá uma vez. Achando que era papo-furado, respondi normalmente.
- Ça va, ça va.
- E o Brasil? E Brasília?
Ele se lembrava mesmo. Até da minha cidade.
- Vai bem.
- Ah, eu amo o Brasil. Aquele time de 70 era incrível.
- É verdade.
- Mas tem a violência, né? Você viu o que houve na favela?
- Vi sim.
Aí embalamos no assunto. Aquela conversa amena de cabeleireiro. E, relaxado e confiante, distraí da penugem. Quanto me dei conta, pânico total! Tava mais esburacada que estrada brasileira.
- Monsieur, acho que aconteceu algo estranho aí.
- Ah bon?
- Não era bem assim que eu tinha imaginado.
O jeito era tentar remediar.
- Faz o seguinte. Passa a tesoura com gosto. Corta bem curto.
- D'accord mon ami.
Fiquei meio desolado, mas não dava pra colar de volta. O escultor de pêlos continuou falando sobre o Brasil.
- Como se diz "cheveux" em português? Deu uma última tesourada.
- Cabelo.
- Cabelô. E pegou a navalha pra raspar a nuca.
Nisso, passou a lâmina com tanta força que senti que ia me degolar.
- E coiffeur?
Pescoço em brasa, analisei o estrago que ele tinha feito.
- Pode ser cabeleireiro. Mas no seu caso acho melhor barbeiro.
- Barbeirô...
- Barbeiro também é quem não dirige muito bem, sabe? E quem não é muito perito.
- Engraçado. Sabe, eu nem tenho carro.
- Ah, nem se preocupe, você já é bom no negócio, respondi em português.
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8 comentários:
Que barbeiragem, hem, Daniel. Guarde as madeixas para quando vier ao Brasil: Abelino está de volta ao Aracoara (ligou outro dia avisando: "estou vivo!"), o Jajá mandou um cartão com o novo endereço e os irmãos cabelereiros continuam firmes e fortes rapando crânios incautos na W-3. São opções...
Oi Daniel!
E sempre com muito prazer que leio suas aventuras. Parabens pela contibuiçao no Brazuca, acho que vou assinar, parece legal mesmo, para receber meu pedacinho de Brasil cada mes em casa! Uma sugestao: falar dos eventos brasiliaros na França enteira ! Outra sugestao: vc deveria por uma foto de vc e do seu cabelo no blog, pra mostrar a arte do barbeiro...
Um abraço pra você, e sua Chérie (como foi a viagem dela?)
Até logo
Ericka
Eu corto as madeixas num barbeiro. =x Só ele sabe como eu gosto. ;D
Eu já estava em DC há uns quarto meses quando resolvi cortar meu cabelo pela primeira vez. Vi um salão num subúrbio com um preço simpático estampado na vitrine: 13 doletas. Entrei e mandei logo um arranhado “cut the ends” para minha nova amiga, uma africana que falava um idioma indecifrável. Pois ela cortou as pontas, exatamente como pedi, mas sem sequer molhar o meu cabelo. Assim, no seco. E sujo. Vi a amiga que me esperava se contorcer de rir do lado de fora da espelunca. Agradeci, antes que a barbeira ousasse cortar a minha franja, e saí desesperada, com o cabelo seco, sujo e torto.
Levei mais um ano e meio para encarar a experiência de novo. Mas escolhi um brasileiro numa nice neighbourhood. Morri em 80 dólares...
Agora, só no Brasil, de seis em seis meses. E para justificar a cabeleira gigante, digo por aqui que as longas madeixas são para ressaltar minha identidade latino-americana. Cabelo grande tá na moda no Brasil!
Inté,
Pabline
Muito boa a sua mini-crônica, Pabline. E Ericka, só dá pra falar dos eventos que eu presenciar, né? Mas é uma boa idéia sim.
Daney! Adorei. Agora, ajoelhe no chão agora e agradeça por você não precisar de depilação hehehehe BJIM
Cabelereiros são mesmo uma espécie estranha... O meu sempre, sempre, sempre conta exatamente as mesmas histórias todas as vezes que vou ao salão! Não sei se devo admirar sua boa memória por sempre contar as mesmas histórias ou a péssima memória por contar sempre as mesmas histórias!! Já faz três meses que não vou ao salão dele... quer apostar quanto que ele irá repetir a seqüência de histórias assim que eu pisar lá?!!!
Aqui ainda não encarei a experiência, mas to pensando em tentar a primeira vez. Quando cheguei por aqui, logo comprei uma máquina daquelas que aparam a barba e raspam o cabelo no bom e velho estilo, passa a 3 e tá ótimo. Vamos ver como que se fala em Finladês passa a 3 e faz o pé. O problema que o google translator vai me colocar numa cilada, vão cortar meu cabelo e ainda vão chamar a manicure, que provavelmente é Brasileira... assim posso explicar o mal entendido.
Excelente texto. Eu mesmo só cortei o cabelo em só 3 salões. Lembro que antes de mudar pra cá, ainda ia de carro até o cruzeiro (morando em Águas Claras) só pra cortar o pouco que sobrou. haehahea
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