sexta-feira, 15 de junho de 2007

Nós x Zidane


Na hora de fazer as malas para Paris, tive que deixar meu teclado pra trás. Então fui comprar outro em um bairro que faria a alegria de qualquer músico, tamanha a quantidade de boas lojas de instrumentos.

A verdade é que sou meio chato pra comprar qualquer coisa. De um chiclete a um carro, pesquiso pacas até achar o melhor preço. E conseguir desconto não é uma tarefa simples nessa cidade.

- Bonjour, monsieur. Quanto custa aquele teclado ali?
- 50 euros.
- O seu vizinho vende por 49.
- Simples: o senhor pode comprar com ele.


Na quase impossível procura pela combinação preço/qualidade/simpatia, depois de muito rodar, esbarrei em uma grande loja, com um atendente super atencioso.

- Quanto custa?
- 50 euros.
- O seu vizinho vende por 49.
- Não tem problema. Faço por 45.
- E aquelas caixas de som?
- Custam 80.
- E se eu levar tudo junto?
- Deixo por 75.


Mestre na arte da pechincha, nem achei o desconto assim tão grande. Mas pela presteza do rapaz mandei embrulhar na hora.

- Vou levar tudo.

Enquanto fazia a nota, percebi que na parede havia fotomontagens dele no meio da seleção italiana de futebol. Me chamou a atenção uma que mostrava o Materazzi, aquele que levou a cabeçada do Zidane na final da Copa do Mundo do ano passado. No lugar do rosto do zagueiro, o do atendente da loja, com seu cabelo de metaleiro dos anos 80 e a boca faltando uns dois dentes nos cantos. Era a deixa.

- Você é italiano?
- Da Calábria.
- Meus bisavós nasceram lá, perto de Nápoles. E eu acabei de tirar a cidadania italiana.
- Siamo tutti buona gente!
Abriu um sorriso banguela e me deu um abraço como se tivéssemos nos tornado cúmplices por toda a vida.
- Me chamo Daniel.
- Pode me chamar de Kiki.


Nessa hora, cochichos vindos do fundo da loja. Uns clientes que passavam riam um riso meio tímido. Kiki é a palavra que os franceses usam para denominar o pinto de garotinhos. Algo como peruzinho.

- Mas esse é o seu nome mesmo? Perguntei, com um certo espanto.
- Não, apelido. Mas eu gosto que me chamem assim, Peruzinho. E exagerou no volume.
- Ah, Peruzinho. Entrei no jogo.
- Isso, Peruzinho. Ele disse, mais alto.
- E os outros vendedores, eles não fazem brincadeiras?
- Não mais.
- Por quê?
- Quando Itália e França chegaram à final da Copa, eles diziam que meu peruzinho ia ficar bem murcho depois do jogo. Era a piada da loja. Com o resultado tiveram que parar, né?
Enquanto falava, olhava para os outros vendedores com um ar de muita satisfação.

Agradeci duplamente: pela simpatia e pelo desconto. E fui prontamente retribuído com um outro abraço.

Já estava deixando a loja bastante feliz, com as mãos cheias de sacolas, quando Kiki me chamou no canto.

- Olha o que eu vou fazer. Eles ficam loucos...

E gritou para outro vendedor, que estava de bobeira.

- Greg, abre a porta aí pro meu amigo italiano. Mas não vai dar uma cabeçada nele, viu?

Greg não achou lá muita graça. Mas Kiki e eu rimos. Afinal, cúmplice é cúmplice.


ps: tem outro episódio meu envolvendo a cabeçada do Zidane, bem aqui. Isso é uma fixação nacional na França ou apenas uma fixação minha?

4 comentários:

VALHA!!! disse...

Nacional... nacional.

prolixa disse...

Esse Daniel... onde quer que vá conquista novos amigos com seu carisma e sua simpatia. Mas logo um cara com esse apelido????? huahuahuahuahau BJIM Daney! Já tô de volta ao Brasil. O sonho acabou, mon chéri.

Anônimo disse...

Genial Daniel, entre nós e Zidane sou mais nós.
Beijos, Mami

tresporquatro disse...

Pois sim... nacionalismos aparte, o tal do Zidane, como dizem, joga de terno e gravata. Um clássico dentro de campo. E quanta surpresa!!! Sempre me disseram que os italianos são meio grosseiros... tenho de rever meus conceitos. Aquele abraço.