Há um dia
sexta-feira, 27 de abril de 2007
De porteiros e de fofocas
Em Paris não tem porteiro! Essa instituição brasileira não existe aqui. Os prédios têm eficientes e frios sistemas de senhas e de chaves codificadas. Funcionam muito bem, mas nos privam de outra instituição, dessa vez mundial: a fofoca.
Sem porteiros pra nos contar que o gato da senhora do 5º andar pulou da sacada, ou que a festa do carinha do 301 atraiu a polícia, ficamos sem esse canal eficaz para saber da vida alheia. E, ora, como podemos ficar sem saber da vida alheia? Contigo e Paris Match vendem milhões de exemplares, mas têm o grave defeito de falar apenas de celebridades, nunca de quem pega o elevador comigo.
Se tivéssemos porteiro no prédio, o vizinho do 7º daria assunto pra bem mais de um mês.
Soube da sua existência no dia em que cheguei em Paris. Exatamente às 5 da manhã, quando seu despertador tocou. Nada daqueles prosaicos relógios com um sininho em cima, que as vovós usavam para acordar. O cara programou o som pra ligar sozinho, tocando uma salsa em um volume imbecil, de sacudir as gárgulas da Catedral de Notre-Dame.
E eu no apartamento de baixo.
Acordei assustado, jurando que um bando de cubanos invadia o edifício. Dois casais dançando enquanto uma orquestra mandava brasa.
Passei vários dias despertando junto com o sujeito. Eu, o prédio todo e a torcida do Paris Saint-Germain. Sempre às 5 da manhã. Sempre a mesma música. Até que teve um fim de semana em que ele deve ter viajado e a maldita canção ficou repetindo 24 horas.
- O cara morreu, pensei.
Alguém tinha que abrir aquele apartamento. Nem pensava no cadáver jogado na sala, mas sim em um meio de desligar o tormento latino que saía das caixas de som.
Saí de casa. Voltei horas depois. E a música continuava. Até que parou.
- Tá vivo... Mas juro que não sabia se isso me deixava mais feliz.
Nada adiantava. Já tinham falado com ele, com a síndica, com os outros moradores do prédio. Um dia um dos vizinhos não se agüentou e colocou um bilhete na porta do elevador. Esse que tá aí em cima.
“Mensagem ao barulhento locatário do 7º.
O senhor pode, por favor, abaixar o som do seu despertador matinal – chega! O senhor não está sozinho no prédio. Já lhe pedimos isso várias vezes.
Vizinho do 6º”
Achei que agora isso ia acabar. Mas nada. Na hora marcada, os cubanos voltaram a sacudir minha cama, munidos de atabaques, baixo, trompetes e guitarras.
Até que, numa madrugada, outro susto. Acordei às 5, como já havia me habituado. Mas estava o maior silêncio. Deu 5h10, nenhum barulho. Voltei a dormir. Nos dias seguintes, a mesma paz, que dura até hoje. Nunca mais escutei um ruído vindo do apartamento de cima.
É claro que fiquei feliz. Todo o prédio deve ter ficado. Mas tem algo que me incomoda. Fico pensando no que pode ter acontecido com ele. Eu não sei. Tampouco os vizinhos. Não sabemos se ele se mudou. Se morreu. Ou se simplesmente decidiu atender aos inúmeros apelos. Nenhuma fonte de fofoca foi informada sobre o paradeiro do rapaz.
Que falta faz um porteiro nessas horas...
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15 comentários:
Coucou Dani !
Tu écris vraiment bien, ti as du talent !!! J'ai beaucoup ri !!!! Dans certains immeubles en France il y a encore des concierges, mais c'est de plus en plus rare, leur rôle est de nettoyer, surveiller et aussi "fofoquer" !! D'ailleurs quand on dit à quelque'un "tu es une concierge " ça veut dire "o maior fofoquero" ! Bisous ! Hélo
Daniel, você é simplesmente o máximo!!!
Beijos,
Mami.
Dani, pense que poderia ser pior: Se você tivesse morando no Pará, poderia ser acordado todo dia as 5h ouvindo banda Calypso. Abraços...
agora tô curioso pra saber o que aconteceu com o cara... tu vai ter que descobrir isso logo...
2 possibilidades,
- O Daniel deu uma cabeçada nele
- A Edith ainda tá batendo um papo com ele
Com certeza ele está conversando com a Edith!
Eu fiz um acordo com minha vizinha, não reclamo de suas "festas rave" e ela não reclama das minhas festas... mas é duro ser acordada às 3hs da madrugada ao som de Tiesto ou algo que o valha em plena segunda-feira!
Bjocas e eu tb passo sempre aqui!;o)
Me arrependi da hora que li isso.
Tava no trabalho e tive que conter as gargalhadas que ia dar lendo teu relato.
Dani, vc é único!
Te adoro.
Saudade...
Doce
Cariello, meu filho! Tá querendo matar de inveja??? Párrrri é quelquechose de loque! Por favor, me faça 3 favores: passeie longamente no Beaubourg, coma um "crép a nutella" em qualquer esquina e tire sua carte orange, mas ponha minha foto nela. Só assim me sentirei um pouco melhor. Fiquei sabendo que você estava por aí, mas não sabia que tinha blog. Por favor, keep it updated pra gente dar umas gargalhadas de vez em quando! Beijão pra vc, bonne chance! Mila
Oi... te conheço por nome. O que faz em Paris?
Tes histoires son superbe! Ma soeur habite a Paris aussi! à bientôt! Bisous
Fala Daniel.
Estou com Pedro aqui em casa, teclando só com a esquerda pois estou engessado, dando uma olhada em teus escritos.
O porteiro aqui de casa, se fosse letrado, daria um puta cronista da vida privada!!!
Lembranças tupiniquins!!!!
Só falta vocÊ descobrir que o síndico é o Tim Maia. (essa frase é do pedro).
SAMBINHAAAAAA.
ABRAÇOS!
Perfeito
Uma festa no seu prédio. Todos dançando salsa, inclusive os dois casais. Convidaríamos a Edith prum dedo de prosa ao som de Chico..“Essa moça tá diferente, já não me conhece mais...” Depois assistiríamos touradas dem Madri pa ra ra tim bum bum bum! E por fim, contrataríamos um Severino só pra tomar um cafezinho com a gente.
Saudades..
Cybs, sua amiga ingrata que não foi em nenhuma das suas despedidas e agora fica usando isso como charminho barato!
Te adoro, sempre!
Ah! Me atreví a escrever tbém!
http://difusoesedevaneios.blogspot.com/
Fria e doce Estônia. Primavera. Sim, plena primavera e neve lá fora. Hoje, muita neve, que paira doce, poética e silenciosa. Você, os cubanos e o vizinho barulhento do 7°, rompendo meu silêncio e me fazendo sorrir. Como um abraço quente nessa tarde branca. Sabe, não há porteiros por aqui também. Que saudade do Antônio! E o paradeiro do rapaz? Morreu? De fato?
Sexta, dia 11, Paris. Passarei alguns dias por aí. E, quem sabe, um encontro.
Olá, Daniel. Olá!
Um abraço branco-neve e uma flor
Soraya
Daniel,
A notícia boa -- além do desaparecimento do sujeito -- é que no prédio em que você mora tem elevador. O Barão Haussmann não deixou muitos quando saiu da prefeitura.
Abraço,
Pápi
Se, além de tudo, porteiros fossem bons cronistas...
dava um bom blog!
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