sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Para estufar esse filó

Um dia o telefone toca.

- Daniel, vai fazer o quê 4a feira que vem, ali pelas 3 da tarde?

Como todo cara que tem tempo livre à beça, sempre acho que não tenho nenhum.

- Putz, tenho dentista.
- Mas você tinha me falado que o dentista era na 6a.
- Pois é, mas na 4a já começa a preparação espiritual, sabe?
- Bom, então tá. Vou arrumar outra pessoa pra pelada com o Chico Buarque.

Deu um "tchuns" na minha cabeça, seguindo de um "tchans" e de um "ziriguidum". Achei que tava ficando doido.

- Cumequié? Futebol com o Chico Buarque?
- Isso, aquela pelada que tinha te falado. Tem uma vaga sobrando. Mas vou ligar pro...
- Vai ligar pra ninguém coisa nenhuma. 4a feira, 3 da tarde, tô lá.

E só aí me lembrei, havia bem uns 8 anos que não chutava uma bola. Desde que o Felipão cometera duas injustiças, e não convocara o Romário e eu para a Copa de 2002. Ali decidi pendurar o Kichute e tentar esportes menos frustrantes, como corrida de pombos e arremesso de atum.

Pois bem. Na 4a feira, no bat-local e na bat-hora marcados, já havia algumas pessoas, mas nada do Chico. Deve chegar de helicóptero, tipo o Papai Noel no Maracanã, pensei. Ou então com batedores da polícia abrindo caminho, ou de barco pelo... No meio do meu devaneio, alguém me cutuca e apresenta um sujeito de short e chuteira, pronto pro jogo.

- Daniel Cariello, Chico Buarque. Chico Buarque, Daniel Cariello.

Eu havia pensado em várias coisas para dizer nesse momento, imaginado todas as possibilidades. Tinha preparado piadas, frases inteligentes, postura blasé, citações de Platão e o escambau. Uma delas, a boa, seria acionada na hora das apresentações. Só não havia previsto o imprevisto. E acabei dizendo a coisa mais estúpida.

- Chico Buarque? Acho que já ouvi falar...

Que imbecil eu sou, falei pra mim mesmo. Cretino, cretino!

Enquanto me recuperava, as equipes foram divididas, seis de cada lado. Chico e eu ficamos em times opostos. Logo alguém passa a bola para ele, que vem em minha direção.

- Vai lá, Daniel.
- Eu? E faço o quê?
- Marca em cima.
- Uai, e pode?

Podia. E fui. Tomei a bola.

- Desculpa, foi sem querer.

Não sei se era perseguição pelas idiotices que eu havia falado, mas ele vinha atacando sempre pelo meu lado. Ou seja, eu precisava marcá-lo, era minha tarefa. E se eu fizesse uma entrada mais dura? Já imaginava as manchetes dos jornais - todos os jornais - do dia seguinte: "Campeão mundial da idiotice quebra Chico Buarque em partida de futebol. Músico nunca mais poderá tocar violão".

- Ei, vamos trocar. Você fica na direita e eu na esquerda. Jogo melhor pelo lado de lá. - Propus a um companheiro de equipe, mentindo descaradamente, pois jogo igual, igualmente mal, em qualquer posição.

Imaginando que a partida não duraria mais do que 30 ou 40 minutos, dei pra correr tudo o que podia. Alguns elogiaram minha capacidade de me desmarcar, mas mal sabem eles que fugia era da bola. E ela, teimosamente, sempre acabava nos meus pés. Acabava mesmo, pois qualquer possibilidade de jogada morria ali.

Aí passa uma hora, uma hora e vinte, e nem sinal do fim do jogo. Enquanto Chico Buarque deslizava feito uma gazela, eu não tinha mais força nem pra ficar em pé. Apesar de mim, o placar ainda nos era favorável: 5 x 4.

- Quando termina? - Perguntei.
- Quando a gente estiver ganhando - Alguém do outro time respondeu.

Achei o critério justo. E juntei as últimas energias para "dar o melhor de si e ajudar a equipe". A equipe deles, no caso. Logo em seguida Chico marcou o gol de empate.

- Bom, vamos parar, né? - Ele mesmo sugeriu. Ninguém discordou.

Pronto! A invencibilidade do Paristeama, a filial francesa do Politheama, estava assegurada. Se a minha vaga na pelada também estiver, vou fazer sempre o meu melhor para isso se manter. Não importa em que equipe jogue.


Coincidência ou não, exatamente um ano atrás escrevi um outro texto sobre o Chico Buarque, que está bem aqui.

21 comentários:

Carol D´Alessandro disse...

Ah! Adorei o post. Vc escreve super bem, demos várias risadas por aqui, principalmente por sabermos que é tudo verdade. Achei o máximo a sintonia com seu post de 1 ano atrás. Como imaginar que de vizinho imaginário ele passaria a ser seu companheiro de pelada em um ano?

GallÔôÔôÔ disse...

CariellÔôÔôÔôÔ, você bem me conhece, sabe que a tiete chicobuarqueana que habita esse meu pequeno ser SURTOU quando viu a foto!! Ai, que vontaaaaaade de ver esse jogoooooo!!!
Marca outra pelada com o seu vizinho, vai!! =)

mami disse...

"Olha aí é o meu guri, olha aí, é o meu guri"...
Dani, morri de rir e também de vontade de assistir o jogo. Da próxima vez você pode falar mais uma idiotice tipo: minha mãe é sua fãzona, Chico, dá um autógrafo para ela.....
Beijos, mami

Fabiano Abreu disse...

Cari, como sempre ótimo texto meu amigo! E fala sério. Pode marcar outra pelada dessa, não jogo nada mas posso ser o gandula. haahahaha

Denise Cariello disse...

Dani, é verdade mesmo ou montagem?Cara, muito legal isso. vc devia ter pedido pra ele tocar e cantar depois do jogo, lá no campo mesmo, ou na tua residência. Diz pra ele, da proxima vez que vcs jogarem, que eu adoro "Partido Alto", "gota d'água", "O meu amor" e muitas outras. BJS
Denise

Pápi disse...

Chéri,
Seu feito superou em muito minha pizza com Chico no Kazebre 13, nos idos (põe idos nisso) de 1972. Mas sinto que Mami aproveitou a deixa pra escancarar uma cena de tietagem explícita com o rapaz. E eu pensava que o perigo era o Paulinho da Viola...
Acho que vou ter que entrar nessa pelada pra dar umas botinadas em uns e outros, esquecendo a bola propriamente dita.

Jú Fuscaldi Rebouças disse...

Neeem acredito que dois dos meus ídolos agora se conhecem.

Ê inveja que eu tô!
Aliás... Ótimo texto, como sempre. (:

Não importa disse...

ahhahahaha... não sei pq visito tão pouco este blog.
c'est fantastique!

Unknown disse...

Simplesmente o máximo, Daniel.Que texto ótimo, muito engraçado.Adorei.Que emoção ter o Chico tão pertinho.No próximo jogo , além de pedir um autógrafo p/ a sua mami, pode pedir tb um p/ a amiga da sua mami.
bj,
Marcia

Luiz Marcelo disse...

Cara, eu até sonhei com isso. Eu tava na Unicamp, ainda estudante, no bandejão, Chico sentado atrás de mim, com o mesmo uniforme verde/azul. Mantive minha postura blazé, mas aí ele me chamou e perguntou se eu não tava a fim de trabalhar (pô, devia ser pra jogar!). Então abriu uma pasta/portfolio, começou a me mostrar os produtos dele e me convencer a ser representante comercial, que ele se dava bem com isso, ganhava a maior grana hahaha Acho que tem algo de despeito por um cara que há 30 anos não faz nada a não ser tomar cachaça, jogar bola e tocar violão.

Anônimo disse...

Nossa que legal. Essa pelada foi agora nesse mês de setembro? Conte mais, adoro ler o que escreve.
Um abraço e parabens
Kika

Anônimo disse...

Vc sabia que ele está ai em Paris? Deu no jornal e já não mora mais no Marais. Está passanso lua de mel.Foi na favela Chic no dia 17 e muito mais. É seu vizinho ainda?

GallÔôÔôÔ disse...

CariellÔôô...na próxima, eu posso ser gandula e dar bola pro Chico, com o maior prazer! (besta, eu sei, mas eu tinha de aproveitar a deixa) =)
Beijo de novo.

Antônio Padilha disse...

Olha, o tempo ainda esta bom para uma pelada aqui em Montpellier. Pode chamar a galera! =)

Unknown disse...

Daniel! Você se superou! Texto fantááááááástico, engraçadíssimo,bem estruturado,cenas incrivelemente bem descritas... posso até sentir o cheiro do suor do Chico... cheirinho de jasmim, lóóóógico!! hehehehe
Parabéns!
Bjs!

ps: Chico sempre dando ibope, heim?! o pessoal todo se manifestando... é isso aê!

Déia disse...

Dani, fiquei só imaginando o jogo...queria muito estar aí!!! Eu nem ia me importar de ser gandula também! heheheheh
Te amo muito e já estou com saudades!
Muitos beijos!

Carol disse...

Acabei de me sair muuuito bem com suas dicas para falar francês sem falar francês! rs Soltei o "J'aime bien boire de la caipirinha sur la plage d'Ipanema" para meus amigos franceses e me saí muito bem! haha Amei o seu blog!
Ano que vem esterei em Paris e estou acompanhando de perto seu blog! Hilário e instrutivo!
Parabéns!
PS - Sempre que puder mande 'frases de efeito' para quem não fala francês! hehe

X disse...

Carái, veí! ;-) Esse post é incrível! Batendo bolinha com o olhos de ardósia não é pra qualquer um! Bjs Kika

Carol Nogueira disse...

Dani, como é que você não me convocou pra essa torcida? Pra torcer por você, claro.
Beijo!

Bruno Ayres disse...

Bom saber que as bochechas de porco se comportaram bem durante a partida!!!

Fernanda disse...

Muito legal o post! Acabei de conhecer o blog e estou achando muito legal!Parabéns!