sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Station: La Merde


Regra número um de Paris: jamais encare alguém no metrô. Na rua ainda vai. Se for pego, dá pra fingir que estava olhando pra paisagem. Mas no metrô não tem escapatória. Você estava encarando o sujeito, e pronto. E ele certamente não vai gostar.

Numa madrugada, metrô vazio, eu morrendo de sono e completamente distraído, olhava para o nada. Só que entre mim e o nada havia um sujeito. Na verdade, um sujeitão. Um sujeitaço de 2 metros de altura, com uma cara que faria o Freddy Krueger parecer o Brad Pitt.

- Algum problema, mon frère?
- Pardon?
- Eu perguntei se há algum problema.


Não existia, até aquele momento, nenhum problema. Mas o fato de ele me fazer essa pergunta imediatamente me fez perceber que havia um. E dos grandes.

- Por que você me pergunta isso?
Tentei ser valente.
- Por que VOCÊ me encara? Ele era mais, sem a menor dúvida. E pelo menos umas oito vezes mais forte. Só o seu hálito secular já me fez recuar dois passos.

Eu não o encarava. Na verdade, meu olhar ia em direção a ele, mas minha mente estava em outro universo.

- Desculpe, eu não estava te encarando. Você está se enganando.
- Então eu sou louco? É isso?


Ele não era louco. Ou era. Ou eu era. Ou não. A situação era tão delicada que coloquei todos os meus neurônios para trabalhar em busca de um só objetivo: achar em um segundo a frase certa, no tom correto, para encerrar aquele impasse. Pensei ter encontrado a saída, e tentei me colocar mais próximo do seu universo, abrindo um debate pseudo-filosófico sobre as mazelas da sociedade.

- Somos todos loucos nesse mundo doido, mon frère.


Eu não poderia ter sido mais estúpido.

- Alors, você me encara, me chama de doido e ainda acha que é meu irmão?


Ele quase urrava colado na minha cara. Eu me sentia um domador de leões, que enfia a cabeça na boca da fera. A diferença é que a fera é que enfiou a boca na minha cabeça.

- É isso mesmo????


Preparei-me pra levar um sopapo histórico, sem testemunhas, na madrugada parisiense. Fechei um dos olhos. O cidadão levantou o braço. Encolhi-me. Ele cresceu. Mordi a língua. Preparou o golpe. Pensei na minha família querida em Brasília, nos amigos que deixava pra trás, na minha coleção de discos de vinil. E vi que tudo aquilo estava prestes a terminar. Com um golpe daquele quilate eu seria o primeiro decapitado na França depois da extinção da guilhotina. Ele se aproximou mais e soltou... uma gargalhada.

- Hahahahahahahahahahahahahahahaha! HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA! HA HA HA HA HA HA HA HA HA HA HA HA HA!

Ele e seu cupixa choravam de rir. Eu também quase chorava, mas por outros motivos. Esforcei-me para esboçar um riso sem graça.

- Fica assim não, mon frère. Estamos brincando. Somos mesmo todos loucos nesse mundo doido. Os únicos conscientes somos eu, meu irmão aqui do lado e agora você. Parabéns por ver a luz.


O negão de dois metros disse isso e saiu do metrô. Eu fiquei mais um tempão ali e passei a estação da minha casa. Acho que tanta luz me fez perder um pouco o rumo.

10 comentários:

talesdj disse...

frouxo...

Anônimo disse...

Frouxo nada. Fiquei me imaginando nessa situacao e nao sei o que faria. Provavelmente me cagava todo...

prolixa disse...

Daney! No filme "Paris, Je t'aime" tem um dos curtas que é sobre isso, mas acho que você se saiu bem melhor que o cara hehe. Surreal, mon ami! A vida imita a arte (ou será le contraire?) BJIM

Barbarela disse...

Eu ia fazer o mesmo comentário que a Cy... tb vi isso no filme e vc se saiu melhor que o cara, acredite!
Saudades mon cher.
Super beijo

tresporquatro disse...

Rapaz... penso que seja a hora de começar a praticar alguma arte marcial...! O Jean-Claude Van Damme não teria, por um acaso, uma cademia por estas bandas, teria?

Anônimo disse...

Dani, estou pensando que aí anda muito perigoso. Não será melhor você voltar para casa?
Beijos, Mami

Milena disse...

Caramba, que tensão!

Anônimo disse...

Salut, mon frère, ops, mon cher :)
j'ai trouvé par hasard ton blog et je l'ai bien aimé. je reviens. à tout

Felipe disse...

Putz, que coisa horrorosa. Mais macabro ainda por conta da risada "tensa" ao final da história. Cheio de gente doida no mundo... e a gente acha que lá é tudo civilizado (quer dizer, eu nunca achei isso, mas tem gente que acha...).

abs

Anônimo disse...

É melhor ficar de olho...
Olha o que anda acontecendo: http://www.youtube.com/watch?v=FvwhnmWl50Y