sexta-feira, 19 de outubro de 2007

A morte do Bacalhau


Um grande amigo meu veio visitar a França pela primeira vez. Músico talentoso e conhecedor de história, quis dar uma passeada pelo famoso cemitério do Père Lachaise, onde estão os túmulos de Jim Morrison, Chopin, Oscar Wilde e outras personalidades mundiais. Vamos chamá-lo de Bituca.

Seguimos a turba de cabeludos e maltrapilhos e chegamos ao endereço eterno do ex-vocalista do The Doors que, dizem, já não está mais lá. Uma história meio confusa, que me fez imediatamente lembrar de outra, protagonizada pelo próprio Bituca, também envolvendo músicos e cemitérios. Foi alguns anos atrás.

Eu estava um dia em casa, ainda em Brasília, quando o telefone toca. Era um companheiro de banda de Bituca.

- Tenho uma notícia horrível. O Bacalhau morreu!
- Como?
- O Bacalhau, baterista do Little Quail, morreu.
- Quem te disse?
- O Bituca foi ao enterro.


Nessa manhã, Bituca lia o jornal e viu na página de óbitos: "A família do músico Marco Aurélio, consternada, agradece às manifestações de solidariedade e convida para o enterro, a realizar-se hoje, no Cemitério Campo da Esperança". Não teve dúvidas de que tratava-se do amigo. Correu para a capela mas, avesso a velórios, não teve coragem de chegar perto do corpo.

Indignado, constatou que nenhum dos roqueiros da cidade estava lá. "Pessoal mais sem consideração", pensou. De longe, avistou um senhor que não conhecia, mas soube tratar-se do pai do falecido.

- Meus pêsames.
- Obrigado.


No local, ficou sabendo da causa mortis: acidente de carro. Como não viu a namorada do amigo por perto, achou que ela também havia ido dessa para uma melhor. Mas não teve coragem de perguntar sobre seu paradeiro.

Notícia ruim corre a cavalo, já dizia a minha avó (ou talvez minha bisavó). E essa espalhou-se rapidamente. Em poucos minutos, todos os músicos da cidade já estavam a par da tragédia e lamentavam a passagem do amigo e excelente músico.

- Não é só a gente que perde, é a música brasileira.


Inconsolável, Bituca digiriu-se com sua banda para Goiânia, onde tocou à noite. Antes do fim, dedicou a apresentação.

- Pessoal, esse show é em homenagem ao nosso querido Bacalhau, que morreu hoje.

Palmas gerais. Comoção no palco e na platéia. Uma aura de solidariedade e tristeza pairou sobre o ambiente.

- Pausa dramática -

- Fim da pausa dramática -


No dia seguinte, de manhã, outro telefonema, do mesmo amigo que tinha ligado antes.

- Oi, Daniel.
- E aí, muito triste?
- Não.


"Sujeito mais frio", pensei.

- O Bacalhau não morreu.
- É, a obra dele continua pra sempre...
- Não, ele tá vivo.
- O quê?
- Tá vivo.


Tipo em um filme do Quentin Tarantino, as coisas só se explicaram depois. Querendo prestar solidariedade à família, alguns colegas de bandas ligaram para a casa do verdadeiro Bacalhau. Qual a surpresa quando o próprio atendeu e jurou que não havia abotoado o paletó de madeira.

E logo tudo fez sentido: o Marco Aurélio que se foi era um homônimo do baterista, e não o próprio. Não havia nenhum amigo presente ao enterro porque simplesmente não era quem Bituca pensava que era.

Bacalhau passou algum tempo desmentindo sua morte, até em outros estados. Mas a assombração mesmo foi pra Bituca, que aguentou brincadeiras durante anos.


PS: Para provar que está vivo, Bacalhau é hoje baterista do Ultraje a Rigor.

10 comentários:

Naja Najito disse...

Fala, Daniel. Acho que conheço esse tal de Bituca, hein? A propósito, tenho que te mandar a nossa foto em frente ao túmulo do Jim Morrison e as outras do passeio em Père-Lachaise e em Montmartre. Novamente, agradeço a você e a Charlotte pela hospitalidade. O passeio de bicicleta fechou com chave de ouro a estada em Paris. Abs.

Felipe disse...

Sensacional!!! Agora, o cara que propagou a notícia ruim é um tremendo de um lesado. Como é que não apurou a história nem desconfiou que poderia ser outra pessoa??? Meu Deus!!! Roteiro de filme mesmo. abs!!

VALHA!!! disse...

Pobre bacalhau! tsc tsc

=)

Chéri disse...

E aí, Naja. Manda pro meu e-mail. Quero ver sim! Foi bacana por aqui.

Felipe, a história é realmente boa. Dá mesmo um filme.

Pagu, pobre Bituca, isso sim.

Abs.

Anônimo disse...

Putz... isso já aconteceu comigo lá na Escola de Música. Sobre um amigo super pontual que justamente no dia faltou o primeiro horário. Duas irmãs, unha-e-carne do dito cujo, apareceram aos prantos, mas aos praaaantos, dizendo que o Guilherme tinha morrido. Com o sangue fofoqueiro que o Maranhão me deu, tratei de espalhar pra escola inteira. Todos super consternados. Até que uma menina, que ouviu a história, me disse "que coincidência, conheço outro Guilherme, que também morreu de acidente ontem... mas ele não era daqui não." Mas como diria o Chapolin, "coincidências assim acontecem em qualquer parte do mundo". E segui com o meu papel de propagadora das más-novas. Até que no fim da tarde alguém disse: "O Guilherme tá na aula do Anseeeelmo!!!" Abri a porta de leve no meio da aula e o professor me disse jocoso: "Encontraram o corpo, tá aí ó!". E o Guilherme dando tchauzinho. Puta-que-o-pariiiu!!!! Beijão, criança!

Milena disse...

Já a família do Marco Aurélio falecido deve ter se surpreendido com tantas visitas ao velório...

De qq forma, diga ao tal Bituca que a gafe foi grande, mas isso acontece mesmo (até poderia ter sido minha..)

=)

Bjs,
Milena

tresporquatro disse...

Tarantino!?!?!? Mas com influências de Zé do Caixão. hahahaha... muito boa essa!!!

Anônimo disse...

Oi Dani,
É boa demais essa estória do Bituca!!
Gente, todo mundo já foi te visitar na França?
Eu quero ir, também!

Unknown disse...

...nossa, nossa... que sem noção! Que história engraçada! Imagina a família do morto... recebendo um bando de gente que nunca viu na vida... velório lotaaaado...
Mas ainda bem que não foi o Baca de verdade... seria uma perda irreparável... o cara é fantástico! Dá gosto não só de ouvir, mas também de vê-lo tocar!

Anônimo disse...

caralho, que pena... não sabia que o bacalhau tinha morrido... tava indo tão bem no ultraje...