
Em Paris não tem porteiro! Essa instituição brasileira não existe aqui. Os prédios têm eficientes e frios sistemas de senhas e de chaves codificadas. Funcionam muito bem, mas nos privam de outra instituição, dessa vez mundial: a fofoca.
Sem porteiros pra nos contar que o gato da senhora do 5º andar pulou da sacada, ou que a festa do carinha do 301 atraiu a polícia, ficamos sem esse canal eficaz para saber da vida alheia. E, ora, como podemos ficar sem saber da vida alheia? Contigo e Paris Match vendem milhões de exemplares, mas têm o grave defeito de falar apenas de celebridades, nunca de quem pega o elevador comigo.
Se tivéssemos porteiro no prédio, o vizinho do 7º daria assunto pra bem mais de um mês.
Soube da sua existência no dia em que cheguei em Paris. Exatamente às 5 da manhã, quando seu despertador tocou. Nada daqueles prosaicos relógios com um sininho em cima, que as vovós usavam para acordar. O cara programou o som pra ligar sozinho, tocando uma salsa em um volume imbecil, de sacudir as gárgulas da Catedral de Notre-Dame.
E eu no apartamento de baixo.
Acordei assustado, jurando que um bando de cubanos invadia o edifício. Dois casais dançando enquanto uma orquestra mandava brasa.
Passei vários dias despertando junto com o sujeito. Eu, o prédio todo e a torcida do Paris Saint-Germain. Sempre às 5 da manhã. Sempre a mesma música. Até que teve um fim de semana em que ele deve ter viajado e a maldita canção ficou repetindo 24 horas.
- O cara morreu, pensei.
Alguém tinha que abrir aquele apartamento. Nem pensava no cadáver jogado na sala, mas sim em um meio de desligar o tormento latino que saía das caixas de som.
Saí de casa. Voltei horas depois. E a música continuava. Até que parou.
- Tá vivo... Mas juro que não sabia se isso me deixava mais feliz.
Nada adiantava. Já tinham falado com ele, com a síndica, com os outros moradores do prédio. Um dia um dos vizinhos não se agüentou e colocou um bilhete na porta do elevador. Esse que tá aí em cima.
“Mensagem ao barulhento locatário do 7º.
O senhor pode, por favor, abaixar o som do seu despertador matinal – chega! O senhor não está sozinho no prédio. Já lhe pedimos isso várias vezes.
Vizinho do 6º”
Achei que agora isso ia acabar. Mas nada. Na hora marcada, os cubanos voltaram a sacudir minha cama, munidos de atabaques, baixo, trompetes e guitarras.
Até que, numa madrugada, outro susto. Acordei às 5, como já havia me habituado. Mas estava o maior silêncio. Deu 5h10, nenhum barulho. Voltei a dormir. Nos dias seguintes, a mesma paz, que dura até hoje. Nunca mais escutei um ruído vindo do apartamento de cima.
É claro que fiquei feliz. Todo o prédio deve ter ficado. Mas tem algo que me incomoda. Fico pensando no que pode ter acontecido com ele. Eu não sei. Tampouco os vizinhos. Não sabemos se ele se mudou. Se morreu. Ou se simplesmente decidiu atender aos inúmeros apelos. Nenhuma fonte de fofoca foi informada sobre o paradeiro do rapaz.
Que falta faz um porteiro nessas horas...