sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Admirável mundo (infantil) novo

Quando se vira pai, um novo mundo de possibilidades se abre, você faz coisas que nunca nem sonhou que existiam. Tipo frequentar o café da manhã que a creche da sua filha organizou para promover a interação entre os progenitores dos pimpolhos e pimpolhas ali alocados. Situações assim me deixam sempre meio sem saber o que fazer. Se os pais estão ali por causa de suas proles, o normal é que falem sobre elas, né? E você não tem escolha a não ser aguentar tudo com aquele sorriso de candidato em campanha e, se possível, tentar participar um pouco.

Esse tipo de evento é normalmente dividido em três fases, que não por acaso nomeei com trechos de letras da época brega do Robertão.

1a fase – Vou servir um café pra nós dois (ou o mais lindo do mundo)

A primeira fase começa quando você está ao lado da mesa, se servindo de café e croissant. E aí topa com uma mãe que, claro, acha sua criação a coisa mais linda de toda a história.

- Olá, eu já te vi aqui. Você é a mãe do...
- Cornelius.

E você pensa meu deus, quem é que chama Cornelius? Deviam prender os pais por desacato, por maltrato de menores, por qualquer coisa, mas deviam prender. Um pouco de tortura também não faria mal. Nada grave, só colocar uns palitos embaixo das unhas, coisa pouca.

- Cornelius, que nome mais, mais, como eu digo?
- Mais lindo, né? E não é só o nome, ele também é maravilhoso. É airoso de manhã, esplêndido à tarde e ainda mais deslumbrante à noite.
- É mesmo incrível juntar tantos adjetivos.
- Em uma só criança?
- Não, em uma só frase.
- Vou ali pegá-lo pra você poder ver que não estou mentindo.
- Carece não, minha senhora...

Mas aí ela já foi e nem te deu ouvidos. A sua única chance de escapar é agora, o melhor é agir rápido. Num impulso, você se afasta da mesa e vai fazer gracinha para um bebê que está no chão e se diverte com seu chocalho. Nesse exato instante os pais se aproximam e, sem perceber, você adentra na segunda fase do evento.

2a fase – Por que me arrasto aos seus pés? (ou ele é o máximo)

- Que gracinha (você acha melhor não perguntar o nome).
- Appolonia.
- Saúde.
- Não, eu disse que o nome dela é Appolonia.

Você devia ter perguntado, você pensa, devia ter perguntado. O choque seria menor e você não teria cuspido na janela da diretora o pedaço de croissant que tinha na boca.

- Ela (você se recusa a repetir o nome) parece se divertir com esse chocalho.
- Tá treinando.
- Treinando?
- Em casa ela toca chocalho e assovia a nona de Beethoven.
- A nona de Beethoven?
- De trás pra frente. Quer ver?

Você já está ali, e pensa que não faz mal nenhum assistir à performance de Appolonia, cordenada pelos pais e futuros empresários.

- Appolonia, assovia. Appolonia, chacoalha o chocalho. Appolonia, lembre-se da introdução. Appolonia, apoquente-se.

Mas tudo o que a Appolonia faz é soltar um tremendo pum.

- Dá pra ver que nessa orquestra pelo menos a tuba tá em cima.

Você já está louco pra ir embora, mas pega mal ser o último a chegar e o primeiro a sair. Então decide refugiar-se no banheiro até que te esqueçam ou inventem o teletransporte que te levará dali direto para sua casa, o que vier primeiro. Só que ao adentrar nas dependências do toalete você dá de cara com aquele casal que você sempre achou meio estranho, trocando a fralda do filho. Sem ter outra opção, você decide ficar ali e puxar papo. Erro craso, pois é nesse instante que a terceira fase do evento inicia.

3a fase – Você, que vem de dentro (ou o mal é o que sai da boca do homem)

Sem saber como começar a conversa, você dá um sorriso e aponta pra fralda suja.

- Cocô, né?
- Não é cocô. São excrementos resultados de uma alimentação à base de produtos orgânicos, preparada com água do Himalaia e em panelas de argila feitas pela minha mãe na própria fazenda. Os legumes que ele come recebem 16 horas de sol por dia e são adubados com materiais orgânicos nobres, vindos diretamente da América do Sul. Às 2as, 4as e 6as ele come apenas alimentos que começam com consoantes. Às 3as, 5as e sábados, alimentos que começam com vogais. Aos domingos, faz jejum com a gente. O que você acha?
- Acho que tá meio amarelão.

E você volta pra casa doido pra ligar a tevê.

9 comentários:

Anônimo disse...

hahahhahahhah...que ótimo!! Esse tipo de situação é mesmo bem delicada!!

Brenda Ligia disse...

Genial, Daniel! Vou encaminhar já pro meu amigo Bê Sant'Anna, que em breve adentrará nesse admirável novo mundo da paternidade...

aLiNe disse...

Hahahaha!
Muito engraçado. Você consegue descrever as coisas de um jeito bem bacana! =)
Ow! Confesso que também vou me refugiar no banheiro, quando não me sinto à vontade numa festa, rs!

p.s.: e a apresentação do Mémoire? Teve uma paresentação, né? =)

Carol Nogueira disse...

Aqui no 16 o modelo biô é substituído pelo modelo marcas. Ou seja, como você pode ver, poderia ser muito pior. :o)

Unknown disse...

Hahaha... Ri muito!

Como sempre, texto maravilhoso!

Chéri disse...

Obrigado pelos comentários.

Brenda, depois me conta o que o seu amigo achou.

Aline, ainda não teve a defesa. Vai ser em breve.

Carol, nada é tão ruim que não possa piorar, né?

Charme e Júlia, valeu! :)

Beatriz disse...

Fantástico!!! Como ainda não sou mãe, nunca passei por isso, mas tenho amigos pais que me contam estórias hilárias!
Bons ventos!!!
Bia
www.biaviagemambiental.blogspot.com

Anônimo disse...

HAiuhaihIAHIa
olha leio seus textos ha um bom tempo
mas esse me divertiu a ponto de comentar
OTIMO!

luiz santos disse...

muito bom, voce descreve de maneira que a gente fica entediado, muito legal, eu adorei seu blog.
luiz