sexta-feira, 27 de março de 2009

Vermes ingleses

Não é de hoje que franceses e ingleses não se bicam. Dizem que a origem do problema remonta há quase mil anos, mais precisamente a 1066, quando a Inglaterra foi invadida pelo normando Guilherme, o Conquistador. Parece que o herói (para os franceses, claro) tentou implementar três mudanças radicais na terra subjugada: a obrigatoriedade de se comer semanalmente escargot refogado na salsa e na manteiga; a permissão de se frequentar cafés, restaurantes e, futuramente, metrôs acompanhado de um cachorro; e, para compor o cenário completo, o uso da língua francesa como idioma principal. Não sei se as duas primeiras são verdadeiras, mas sabe-se que na última ele teve êxito. E só em meados do século XIV o inglês voltaria a ser a língua oficial do país.

Depois veio a Guerra dos 100 Anos, em 1337, que colocou em disputa o comércio na área onde hoje estão a Bélgica e a Holanda. Foi vencida pelos franceses. Mas os ingleses não negaram fogo, literalmente, e fizeram churrasco de Joana d'Arc em praça pública.

Séculos mais tarde, o império britânico deu o troco, e derrotou Napoleão. Com uma capacidade estratégica inversamente proporcional ao seu tamanho, o nanico tinha vencido quase tudo até então, mas dançou legal na famosa batalha de Waterloo, qui a eu lieu en 1815.

A proximidade entre os dois países se concretiza somente no âmbito geográfico. No Estreito de Dover, no Canal da Mancha, são apenas 33 quilômetros separando o norte da França da ilha da Grã-Bretanha. É por lá que passa o famoso eurotúnel, que torna tarefa fácil vencer os 500 quilômetros entre Paris e Londres. Para o desgosto dos franceses - certamente uma implicância dos vizinhos -, o visitante que pegasse o trem Eurostar em direção à capital inglesa desembarcava até há pouco tempo na estação de... Waterloo. Assim nomeada, claro, para rememorar a peleja vencida pelos súditos da rainha.

Mas a troca de insultos não para por aí. Franceses adoram dizer que os ingleses comem mal, bebem demais e vivem em um país onde chove o tempo todo. Já estes replicam e falam que os outros possuem hábitos alimentares muito estranhos e ainda cheiram mal, por não tomarem banho.

A disputa também é grande para saber quem influencia mais o mundo. Se o país da torre Eiffel dá as cartas quando o assunto é vinhos, culinária e moda, a terra do Big Ben não deixa por menos, com os Beatles e o idioma, considerado informalmente a língua universal.

Foi nesse contexto, sob mil anos de história e de controvérsias, que um casal de amigos brasileiros, agora habitantes de Londres, veio passar um final de semana em Paris. E se tornou a mais nova vítima da desavença.

Logo ao chegarem, o rapaz começou a reclamar de má digestão. Seu estômago não parava de fazer barulhos estranhos. Fomos então a uma farmácia, atrás de uma solução para a questão.

- Talvez um anti-vermes resolva - Sentenciou o farmacêutico - Diga-me, quando isso começou?
- Tem alguns dias.
- Você comeu algo que piorou a situação?
- Talvez. Quando estava em Londres...
- Peraí, você veio de Londres?
- Sim, moro lá.
- Ah bon? Então trata de voltar com esses vermes ingleses pro lugar deles.

O farmacêutico disse isso brincando. Mas nem tanto.

9 comentários:

Aline disse...

Pelo menos ingleses e franceses têm uma rixa histórica... e brasileiros e argentinos? Qual a razão da pendenga mesmo?

Alessandro disse...

Ficou faltando dizer que a sacanagem não parou depois que a estação deixou de se chamar Waterloo. Ela ganhou o nome de Victoria Station...

Eu gostava mais de Waterloo.

Natalia disse...

Adorei!!!! Excelente! Um colega meu francês foi fazer estagio em Londres e, quando voltou, postou orgulhoso em facebook: Je suis de retour à la Grande Nation"...

Unknown disse...

E aí, Dani? Encontrei seu pai ontem, num posto de gasolina.
Como sempre falamos do Fluminense.
Eu disse pra ele que lia o teu blogue e ele: "Toda sexta-feira!".
Pai coruja.

Acho que os franceses têm pendenga com todo mundo. Será o nariz em pé?
Com os alemães então o buraco é ainda mais embaixo. Foi quase motivo de guerra civil os nobres alemães adotarem o francês como a língua da "civilização" enquanto os escritores burgueses tentavam firmar o idioma alemão.

Poxa, terminei de ler um romance que é ambientado bem na região que você menciona, "Os trabalhadores do Mar", do Victor Hugo. Já leu?
Meio lento mas muito poético.
E, aqui e ali, aparecem as disputas França x Ing.

Vou ver se localizo alguma.

ABração.

Carlos E. disse...

Quando fui pra Paris tive o mesmo problema dos barulhos no estomago! E tempos depois minha namorada tbm foi e teve o mesmo problema. Agora fiquei curioso pra saber a causa desse problema.

Unknown disse...

O farmacêutico era francês, mas, certamente, o humor dele era inglês, pois não?!

hehehehe

Unknown disse...

6 parágrafos para contextualizar uma piada sem graça...

Fran disse...

Pois pra mim são 6 parágrafos para contextualizar uma ótima piada. Aliás, ótima como todo o blog.

Antônio disse...

Moro em Paris há seis meses, e cheguei nesse blog totalmente por acaso, por meio de um link que me levou a outro link e que me trouxe aqui. Gostei tanto que li vários textos de uma só vez. Vou voltar sempre.