sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

As aventuras de Mané le coiffeur

Ele chegou a Londres no mesmo avião que Caetano e Gil, em 1969. Porém, enquanto estes eram exilados políticos, nosso personagem viajou só pelo oba oba, e principalmente por todo o desbunde que uma passeada pela Europa poderia proporcionar. Mas, ao descer na capital inglesa, ficou horrorizado com os cortes de cabelo dos compatriotas da rainha, "aquela coisa très cafona", e decidiu embarcar na mesma hora para Paris.

Logo apaixonou-se pelos impecáveis cortes franceses, e também pelo padeiro Jean Pierre, "que me deu muito, e quando eu mais precisava". Assim o baiano Manuel Melo Pinto resolveu fixar-se na França, de onde nunca mais tirou os pés, dedicando-se ao estudo da engenharia capilar, como diz. Em pouco tempo abriu um salão.

Por sugestão de JP, o Jean Pierre, decidiu adotar o nome "Mané le coiffeur". Idéia que venceu fácil outras como "Manuca da peruca" e "Manuel, rei do gel". O último, aliás, ele guardou para utilizar apenas com JP, "o único a entender seu mais profundo significado". Juntando o savoir faire francês e o exotismo brasileiro, logo conquistou uma respeitável - ou nem tanto - clientela. Teve um dia em que um ex-jogador da seleção francesa apareceu por lá.

- Posso sentar?
- Normalmente sou em quem sento. Mas só hoje vou abrir uma exceção pra você.
- Tô falando da cadeira, pra cortar o cabelo.
- Mas que falta de criatividade...
- Comment?
- Nada. Senta, santa. Como vai ser?
- É pra cortar.
- Mas é claro que é pra cortar, né? Ou você acha que veio até aqui só pra ficar olhando essa minha carinha de botox? Eu quero saber qual tipo de corte você quer.
- E tem isso, é?
- Bien sûr, mon amour. Olha aqui o menu. Pra você, que tem cabelo curto, eu sugiro experimentar o Charles de Gaule, que consiste em uma ligeira desapropriação lateral, seguida de uma consequente valorização da massa capilar superior. É bastante requisitado por celebridades que desejam passar um ar mais militar, mais belicoso. E também por dançarinos de boite gay.
- Não gostei.
- Outro muito pedido é o Escargot à la Mer.
- Como é esse?
- Eu embebedo seu chumaço com gel, e depois executo movimentos circulares com uma brossa, segurando na outra mão um aparelho de ventilação quente forçada. L'effet c'est divin!
- Mas isso não é fazer uma escova com secador?

Mané deu um pescotapa no sujeito.

- Cala-te! Escova é para cabeleireiros. Eu sou engenheiro capilar.
- Bom, esse corte não combina mesmo comigo. No seu menu não tem nada pra jogador de futebol?
- E você entende de bola, é?
- Um pouco.
- Chocrível! (As gírias de Mané le coiffeur são as mesmas desde os anos 60). Tenho uma opção par-fai-te pour toi. É uma extração circular de madeixas, na altura da abóboda craniana, preservando a extensão do conjunto restante. Antigamente era chamado de São Francisco, mas por razões comerciais mudei para La Tête à Zidane, A Cabeça de Zidane.
- Eu lembro bem desse corte que o Zidane usava em 98. Sempre dizia para ele mudar aquilo.
- Hã?
- Eu falava para ele raspar tudo, quando a gente jogava na seleção de 98. E foi o que ele fez depois.

Mané le coiffeur já é muito mais francês do que brasileiro. Menos quando o assunto é futebol.

- Quer dizer então que você jogou com o Zidane na seleção?
- Sim.
- Então eu tenho um corte ideal, na medida para o seu pescoço.
- Pescoço?
- Cabeça, cabeça.

E passou a navalha com força na nuca do coitado, que falou por entre os dentes.

- E qual é esse corte?
- É o Louis XVI, no qual eu ceifo todo o seu cabelo, com uma única e rápida incisão de navalha, logo abaixo da linha do queixo.
- Ei, olha ali o Platini!
- Onde?

Aproveitando a distração, o ex-jogador deu um rápido drible de corpo e escapou rapidinho pelas ruas. Mané ainda teve tempo de gritar.

- Volta. É por conta da casa.

Ele não voltou.


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Em breve, mais histórias de Mané le coiffeur

11 comentários:

Anônimo disse...

Esse blog não pára de me surpreender. Quero mais histórias de Mané, de Pierre, de Julien, de Virginie, da França e de você. Parabéns mesmo!

Silvestre Gavinha disse...

Adorei.
Muito legal o Mané.
Só tinha que ser mais rápido. hehe...
Aquela Copa, aquele SI DANE...
Estão engasgados até hoje né???
Marie

spring disse...

cette fois, t'as utilisé des mots bien dificile dis moi... j'avoue ne pas avoir tt compris des descriptions de coupe... faudra que je relise tt ça avec mon diccionaire.
bisous

Anônimo disse...

Mon Cher Chéri,
Bom esse "Mané le Coiffeur". Quem sabe Gil não fez "Divino, Maravilhoso" pra ele, já que "Caracóis" o Caetano fez pro Roberto Carlos. Mas minha personagem preferida dentre as que frequentam o blog continua sendo Edith. Tá sumida. Cadê ela?
Abraços,
Pápi

Anônimo disse...

Corrigindo, antes que pegue mal: foi o contrário, o Roberto Carlos fez "Caracóis" pro Caetano exilado...
Pápi

Anônimo disse...

também adorei o mané. di-vi-no! mas devo concordar com o seu pápi: edith é a primeira e única.

Unknown disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

'Chocrível!' ...ó, nasci na década de 80, mas confesso que usei essa gíria 'chegada' na infância!!!!

A história está fantástica! Muito boa!!!

Bj!

Unknown disse...

"...Ediiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiithê! Ediiiiiiiiiiiiiiiiiithê, uhu!!"

(Pra engrossar o coro!! hehehhe)

Chéri disse...

Encontrei com a Edith na rua esses dias, depois de um longo inverno. Quer dizer, no meio de um longo inverno parisiense. Ela já volta por aqui.

Abraços a todos!

G disse...

Edithêee! Edithêee! Edithêee!

Karin Lisboa disse...

Adorei o Mané le Coiffeur... aieoiao
Muito boa história! Parabéns.
Sucessso