Há um dia
sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008
O garçom de Marseille
O Mendes adora maltratar garçons. Se eu acreditasse no inferno, apostaria que ele iria pra lá numa via expressa, sem direito a estágio no purgatório. Não que faça atrocidades físicas, mas aluga os atendentes de tal maneira que já senti vontade de enfiar sua cabeça numa panela de feijoada. É sempre constrangedor.
- Seu chope, senhor.
- Pedi suco.
- Pronto! Seu suco.
- Tá muito doce.
- Aqui o novo suco.
- Traz açúcar?
A única vez que tive saudades do Mendes durante uma refeição foi num feriado em Marseille, maior frio e só um restaurante aberto.
- Bonjour.
- Mesa pra quantos?
- Cinco.
- Aqui.
- É perto da porta, tem corrente de ar.
- Você não vai ficar doente não.
- Já tô um pouco.
- Não devia ter saído de casa.
- Agora é tarde.
- Muito.
- E esse vento vai esfriar a comida.
- É raro ela vir quente.
- Bom, nós vamos sentar ali no outro canto.
- Eu não tenho nada a ver com isso.
Eu nunca tinha visto um garçom páreo para o Mendes, mas esse tinha talento. Transformava o ato de atender numa coisa tão desagradável que beirava a arte. Tive vontade de ir embora, mas fiquei muito mais para apreciar o espetáculo do que simplesmente para comer.
- Escolheram?
- O que você indica?
- Indico uma olhada no cardápio. Tá cheio de coisa ali.
- E como está o peixe hoje?
- Morto.
- Isso é um alívio.
- Ô.
- Mas ele é bom?
- Eu não como.
- Hã?
- Não como peixe nem forçado.
- E a pizza?
- Pizza no almoço?
- Tem quem goste no café da manhã.
- Não na Itália.
- Aqui é a França.
- A Itália é ao lado.
- Traz só um vinho tinto por enquanto.
Saiu, demorou um século e voltou com o vinho. Não serviu os copos, claro. Deixou a garrafa, deu as costas e foi ser desagradável na mesa ao lado. Quando nos ouviu chamá-lo, virou devagar, com a cara mais impaciente, como se ele é que estivesse sendo servido. Mal servido.
- Garçom!
- Hã.
- Acho que esse vinho virou vinagre.
- Acha?
- Prova.
- Nem.
- Gostaríamos de trocá-lo.
- Eu troco, sapateio e até canto pra vocês. Só não me peça pra beber vinho tinto.
A comida do lugar era melhor do que o atendimento, o que realmente não era muito difícil. Acabamos e pedimos a conta. Nessa hora ele se esforçou para ser mais simpático, talvez visando a gorjeta. Mas carisma não era sua praia mesmo, e o máximo que ele conseguiu foi soltar umas frases secas, que saíam pelos cantos do sorriso pálido.
- Como foi?
- Uma experiência. Tenho um amigo que vai adorar o lugar.
- Bom pra ele.
No mesmo dia mandei um e-mail pro Mendes, que prontamente respondeu, animadíssimo, prometendo para ainda esse ano uma visita a Marseille. A conta, já disse, é minha.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
8 comentários:
Oi Daniel!!!
tinha um tempo que não lia o seu blog (muito atarefada mudando de apartamento...) e hoje me lembrei de me atualizar com suas histórias. Fiquei super contente de ver que tinha um monte de novas e todas muito boas. Estou aqui chorando de tanto rir sozinha em casa, hahahaha...
bjos, saudades e parabéns pelo seu trabalho!!!
Giovanna
Oi, Daniel,
Ficou uma dúvida. Melhor dizendo, a angústia de saber se o garçom de Marseille recebeu gorjeta? Se não recebeu terá sido o primeiro da profissão a não receber a gratificação (ainda que protocolar) de um membro de nossa "famiglia" de um século para cá, uma vez que seu bisavô italiano foi garçom de trem (fosse hoje, talvez estivesse no TGV), o que motivou o estabelecimento da regra por seu avô, filho dele: garçom sempre tem gorjeta, ou seu atendimento terá sido reprovado. Pensando bem, pode ter sido o caso...
Mas falando em atavismos, o Henrique Nepomuceno contou hoje a história de um relógio do avô dele, que lembra aquela do personagem de Bruce Willis em "Pulp Fiction". Não é Tarantino puro, porque tem um bocado de Almodóvar e se passa em Goiás, mas conto depois num espaço menos público.
Saluti,
Pápi
Oi Dani, saudades e eu em pleno carnaval trabalhando!
Nós já tivemos uma experiência em Paris com garçom, mas esse merece o Mendes.
Um beijão para vocês.
Mami
Daniel, acompanho seu blog desde a série sobre o Thal... sobre nosso amigo DJ.Adoro suas crônicas. Creio que merecem uma publicação.
Abs
Fabiano
Me empresta o Mendes?!
Apóio o Simão Bacamarte! Te adicionei na lista dos meus favoritos. Abs
E o Mendes de ouro vai para...
Que garçom ridículo...
Postar um comentário