quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Lembranças parisienses


Sentado em um banco da Place des Vosges, um frio dia de inverno, um octogenário vê o tempo passar, como vem fazendo diariamente na última década. Seu silêncio é interrompido pela chegada de um outro senhor, da mesma idade.

- Lembra de mim?

Sem se desviar completamente da leitura do jornal, levanta um olho e tenta buscar em uma gaveta empoeirada da memória qualquer
registro que se assemelhe àquela figura esguia. Em vão.

- Acho que não, pardon.
- Da turma de remo de 1947!
- Eu jamais remei em toda a minha longa vida.
- Não era você o timoneiro da nossa equipe imbatível da Sorbonne? Aquela que, no pós-guerra, foi apelidada de "Explosivos do Remo".
- Lamento, mas acho que você está me confundindo.
- Zut, alors! Jurei que era você. Posso sentar ao seu lado?
- O banco é público.
- Já sei!
- Que ele é público?
- Não. Já sei de onde te conheço. Do Les Deux Magots, nos anos 50, o bar que Sartre freqüentava. Todo mundo ia lá.
- Nunca fui. Não tinha paciência pra Sartre.
- Será então que é das manifestações de maio de 68?
- Talvez.
- Sim, sim, agora vejo claramente a cena: a gente com os estudantes, atirando pedras naqueles policiais idiotas.
- Eu estava lá, mas era um desses policiais idiotas.
- Pardon.
- C'est pas grave.
- Lembrei! Nos anos 70 você era o dono daquela loja de discos na Rue de Rivoli, especializada em rock progressivo. Comprei toda a coleção do Yes lá.
- Eu passei a maior parte dos anos 70 desempregado e não tinha dinheiro nem pra um disco.
- Então não foi com você que eu tomei aqueles ácidos escutando Pink Floyd?
- A coisa mais forte que tomei na vida foi uma bronca da minha mulher.
- Pauvre homme!
- Olha, acho que não nos conhecemos mesmo.
- Não pode ser. Você é tão familiar pra mim. Será que é da TV?
- Não.
- De alguma revista de fofoca?
- Não.
- Dos tabuleiros de dama aos domingos, no Jardim de Luxemburgo?
- Também não.
- Então você é um político famoso, é isso?
- Minha única relação com política é uma camiseta da campanha do Jacques Chirac, que uso pra dormir.
- Mas você não é o Gregoire, a quem chamávamos de o aventureiro?
- Não, não. Meu nome é Pierre, e meu apelido sempre foi soneca.
- Sinto muito, Pierre. Desculpe te incomodar.
- Não tem problema.
- Até logo.
- Ei, ei!
- Diga, Pierre.
- Sabe, pode me chamar de Gregoire. Não quer voltar amanhã e contar um pouco mais dessa nossa vida aí?

8 comentários:

prolixa disse...

Daniel Cariello? Eu me lembro de você. Não é aquele que fez aniversário no dia 12 e não recebeu meus parabéns porque eu estava de férias em Buenos Aires, lembrei um dia antes e esqueci no dia certo? Acho que é você sim. Ainda dá tempo né? Esse lance de fuso horário, alfândega, freeshop mexe com a gente (tudo bem que o fuso na Argentina é o mesmo do Brasil hehe). Enfim, Daney, atrasada mesmo, tô aqui pra desejar um novo ano com muito mais pão, queijo, vinho, garçons, metrôs, chuva, neve, euros e tudo mais que vc tiver direito. BJIM

Cristovao disse...

Tem um furo aí nessa história. Como o cara era policial em 68 e tava desempregado nos anos 70?

Barbarela disse...

My dearest-web-blogger-writer-far-away-now-french-speaker-friend,
Tb lembrei de vc dia 12!
Te desejo muita alegria, saúde, felicidade e abundância de passagens e oportunidades de nos visitar constantemente!
Muitas saudades!!
Bárbara

rinaldo costa disse...

Uai, Cristovão, vai ver que o cara xingou a mãe do coronel e foi expulso da corporação...

prolixa disse...

Ou então, Cristóvão, ele pediu pra sair. ;oP

Letrícia disse...

Eu só estava esperando que você postasse novamente para te dar os parabéns! (aham...)

Que você tenha uma vida tão longa e animada quanto a do Gregoire.

Beijão!

Anônimo disse...

Linda história Daniel.
Um beijão da mami

Neto disse...

Valeu Daniel!
Abs