sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Brico-o-quê?


Existem palavras em francês que não têm equivalência em português. Algumas até estão presentes nos dicionários, mas com a ressalva de serem galicismos. Ou seja, termos franceses tomados de empréstimo por outra língua.

Uma delas é "mijoter". Ao contrário do que possa parecer, significa cozinhar lentamente em fogo baixo, com a panela tampada. Não dá pra empregá-la sem o risco de um mal entendido.

- Filho, coloca o frango pra mijoter.
- Mas ele vai fazer a maior lambança na cozinha, mãe.


"Breveter" também não tem correspondente na flor do Lácio. Quer dizer obter o brevê, o diploma de vôo. É uma palavra das mais inúteis, a não ser que você tenha um amigo que está se formando piloto de avião. O que, convenhamos, não é uma situação muito comum.

- Você sabia que o Antônio brevetou?
- Coitado... Foi de repente ou tava doente?


Mas a que tem me causado problemas é "bricoleur". Bricoleur é o cidadão que curte fazer pequenos reparos e trabalhos caseiros, como consertar a pia que está vazando, montar o armário comprado na Ikea ou lixar e pintar as paredes da sala. Os franceses gostam tanto disso que existem lojas e lojas só com produtos de bricolage.

Um dia um sujeito veio reparar as placas elétricas da cozinha, que substituem o fogão.

- Olha, ela não funciona mais. O senhor vai precisar passar na loja, pegar uma placa nova, tirar o plástico, desligar a eletricidade, colocar o fio verde no outro verde, o azul no azul, o vermelho no vermelho, passar fita em volta, religar a eletricidade, girar o primeiro botão, esperar um minuto, desligar tudo e, só depois, usar.
- Como?
- Ah, mas antes precisa serrar aqui, pregar um pedaço de madeira ali e meter um adesivo naquele cantinho.
- Hein?
- Fácil, né? Ainda mais se o senhor for um bricoleur.


Eu não sou um bricoleur. E nesse dia eu tive certeza disso. Só de escutá-lo passando a lista de tarefas a cumprir me deu vontade de ligar pro Seu Luís, o faz-tudo que me salvou umas vezes quando morei no Rio. Mas como qualquer serviço na França custa quase o valor da dívida externa brasileira, eu mesmo tive que encarar a parada. Encarei.

Uns meses depois, pintou uma nova bricolagem: precisei trocar o silicone que impermeabilizava o rejunte da banheira. Adiei a tarefa o tanto quanto pude, mas um dia não deu mais. Então peguei a caixa de ferramentas, coloquei uma roupa velha e, sentindo-me um Mario Bros, encarei a missão. "É simples", eu repetia o tempo todo para mim mesmo, tentando acreditar. Só precisava tirar o silicone antigo, raspar, botar fita crepe delimitando o espaço, colocar o novo e deixar secar 12 horas.

Com meu apurado senso lógico, decidi preparar logo o material, pra ter tudo em mãos quando precisasse. Fui encaixar o tubo de silicone na pistola apropriada. Movimento falso, o bicho escorrega e arranca um naco da pele da minha mão. Sangue por todo lado. Procurei esparadrapo, mas não achei. Então tive a brilhante idéia de colocar um pedaço da fita crepe pra estancar o ferimento.

Dedo meio imóvel, percebi que não tinha a ferramenta certa para tirar o silicone velho. E nem sei se ela existe. O instrumento mais próximo era um estilete. Quanto mais forçava, mais pedaços da lâmina voavam, fazendo uma lambança geral.

Mas pelo menos agora restava só colocar o novo, que já estava enfim na pistola. Apertei uma vez. Nada. Apertei de novo. Nada ainda. Apertei com muita força. E como uma represa que arrebenta, o treco explodiu e caiu em todo lugar, incluindo minhas roupas, a banheira, as paredes e a fita crepe que envolvia meu machucado. E ainda fez uma gosma com os pedaços de lâmina que tinham voado. Coletei o que dava pra salvar e apliquei no lugar certo.

Passei mais tempo limpando o caos do que fazendo o conserto. No fim, sonhava com um banho. E só então lembrei que tinha que esperar 12 horas pra tudo ficar seco. Apelei pra pia, pois precisava urgentemente tirar aquela meleca toda de cima de mim. Comecei pelo curativo improvisado, meio sólido com todo o silicone que caiu. Tentei tirar devagar, mas doía. Então puxei de uma vez. Urrei de dor e de raiva e jurei nunca mais me meter nesses assuntos.

À noite:

- Ficou ótimo! Você é realmente um bricoleur de primeira.
- Essa palavra, a partir de hoje, está proibida nessa casa.

4 comentários:

Kika disse...

Ah, então é daí que vem o termo "bricolagem" que está super na moda aqui no Brasil...

Milena disse...

Ufa! Eu que tenho mania de leitura dinâmica tomei um susto qdo vc disse que precisava trocar o silicone... =)

Bjs!

Anônimo disse...

tu tá precisando arrumar um emprego, nego...

Unknown disse...

Minha família toda é bricoleur!! Seguinhos a filosofia do Ursolão (...saca o pai urso da família urso do desenho animado... aquele que se metia fazer todos os reparos da casa??!), não pagamos para fazerem coisas de que somos capazes. Evidentemente, nem sempre a coisa dá certo, mas no geral tudo corre bem. Acho até que vou me mudar pra França e virar bricoleur profissional. Dá grana?! É, amigo, sou punk e levo o 'do it yourself' ao pé da letra!! hehehehe