sexta-feira, 20 de julho de 2007

Pinga ni mim


Um dia desses apareceu uma goteira na cozinha de casa. Era na parede, no alto, em cima de um armário. Provavelmente uma infiltração vindo do apartamento do vizinho de cima.

Quando morava no Rio aconteceu uma situação semelhante. E o meu banheiro ficou inundado. Apesar da lentidão e da falta de boa vontade do habitante do andar superior, a situação se resolveu com alguns telefonemas. Eu liguei pra ele, que chamou a imobiliária. Alguns dias depois o Seu Luís, um simpático pedreiro e pintor da Tijuca, estava lá consertando tudo. Foi simples, como deve ser.

Aqui na França a coisa tomou uma outra proporção.

Assim que vi a goteira, liguei pro vizinho, que não atendeu. Deixei recado. Como o cara já tem um histórico de causador de problemas no prédio, todo mundo tem o telefone dos pais dele. Liguei lá também, outra vez sem sucesso. Então me restou chamar os bombeiros, antes que minha casa virasse uma extensão do Rio Sena.

- Vamos passar aí amanhã de manhã.
- Merci.


Na dia seguinte, batem à porta. Três bombeiros entram. Não eram hidráulicos, mas os de salvamento. Eu achei exagerado. Mas como não sou daqui, não disse nada a respeito.

- É aquela goteira ali?
Enquanto um deles apontava, os outros dois faziam cara de preocupados, segurando o queixo.
- Sim.
- Sai água fria ou quente?


Sei lá a temperatura da água que sai da goteira. Não costumo ficar embaixo, esperando pingar.

- Acho que é fria.
- O vizinho está aí?
- Não.
- Vamos ter que entrar na casa dele pela janela.
- Hein?
- Você não quer parar a infiltração?
- Bem, quero...


Dito isso, saíram em fila indiana. Pouco depois, voltaram. Agora eram seis, e carregavam capacetes, cordas, lanternas e uma escada que se acoplava à varanda, pelo lado de fora do prédio. A SWAT francesa.

Montaram uma operação de guerra. Um segurava a escada. Outro subia. E um terceiro gritava ordens pela sacada. O restante contemplava o fio d'água que escorria desafiador. Logo veio a sentença, com voz soturna.

- O registro dele estava fechado. A infiltração parece vir pela tubulação comum do prédio. Não há nada que possamos fazer. Você vai ter que chamar um bombeiro hidráulico. Sentimos muito.


Os seis saíram, um atrás do outro. Dois minutos depois, batem à porta. Eram eles de novo, agora acompanhados por três policiais. Estavam se multiplicando como gremlins. Fiquei pensando no que podiam fazer. Interrogar a goteira? "Desde quando você começou a perturbar esse pessoal, hein? Por que não vai pingar em outro lugar? Circulando, circulando!".

Entraram, anotaram algumas coisas e pegaram nossos dados. Enquanto um escrevia, os oito restantes ollhavam pra parede. Tinha tanta gente admirando os pingos que tombavam, como se fosse uma instalação, que se eu abrisse umas cervejas pareceria um vernissage.

Aquela mísera goteira já tinha mobilizado metade da defesa pública de Paris e ninguém foi capaz de dar cabo. Restou chamar os bombeiros hidráulicos. Chegaram com seus cintos de utilidades equipados de machado, martelo, alicates e dezenas de outros apetrechos, tipo batman, e foram decididos ao banheiro. Olharam pra cima, pra baixo, atrás do vaso, embaixo da banheira, desmontaram a estante, examinaram os canos e deram o veredicto.

- Não dá pra fazer nada agora. Só verificando os canos do apartamento de cima. A única solução é esperar o morador de lá chegar.


Vejam que situação: agora tenho que torcer para o vizinho voltar. O mesmo que eu desejei que sumisse.

Só por via das dúvidas eu tô contando minhas economias. Acho que vai ser mais fácil pagar uma passagem pro Seu Luís da Tijuca vir aqui resolver isso.

12 comentários:

Anônimo disse...

Daniel,
Complicada a situação hem. Pápi e Mami continuam preocupados com tantos problemas afligindo o (quase) indefeso pimpolho. Quanto à solução "levar seu Luís da Tijuca", aviso que o sistema aéreo brasileiro não garante hora para a chegada. Por que não trazer o pessoal do Francesco, da Itália?
Cuide-se,
Pápi

Cidade Cognitiva disse...

Diga ao Pápi que vamos, eu e seu Luiz, de barquinho mesmo, os remadores serão do Botafogo, pois nisto eles são bons... hehehe, futebol nem tanto, que o digam os santistas.

prolixa disse...

Ai, Daney, só você mesmo! Bombeiro, polícia, SWAT... muitas emoções pra um brasileirinho só. :o) Saudadocê! BJIM

Anônimo disse...

Deixa de ser bicha: quebra você mesmo essa parede, troca o cano e resolve o trem, sô.

Barbarela disse...

Daney,

Amei a história e a frase "se eu abrisse umas cervejas pareceria um vernissage".
Saudades sempre!!
Bjocas
Bárbara

PS> Tô com o mesmo problema na varanda de casa e meu vizinho tb sumiu!A sorte é a falta de chuva, a infiltração secou.

Anônimo disse...

Hômi, teu blog tá hilário! Agora deixe de fuleraje e vá já caçar minha Barbie Collectble Dolls of the World - Princess of France! Abracíssimo pra tu!
Lia Barata

Naja Najito disse...

Fala, Daniel. Belê-belê?

Tem uma galera das antigas lá da Asa Norte que daria a seguinte sugestão: em vez de quebrar a parede da tua casa, quebra o teu vizinho. Seguindo essa dica, talvez vc possa resolver o problema da goteira mais rapidamente. Abs.

Anônimo disse...

Nossa Dani, nunca pensei que fosse emocionante estar em Paris.
Uau, sem sair de casa vc presenciou momentos interessantes heim? Salvamento de gotinhas, interrogat�rio e pris�o da quadrilha pinga-pinga, resgate da pequena e indefesa gota do p�ntano...
E quem diria, vc escodendo o jogo pra n�s seus amigos tupiniquins. Grande nome da arte conceitual fazendo fama fora da terra natal. Embasbacando at� os oficiais c/ t�o rara beleza de um grupo de gotas cristalinas saltando com leveza e graciosidade para expressar o que h� de + profundo na alma desse meu grande amigo, aben�oado c/ este dom divino da arte. Estou orgulhosa de vc!
Uhauahauahauahaa.
Saudade querido
Mega bjo

Soracha disse...

Mais engraçado, impossível! Aqui, quando não tem o Seu Luiz, a gente liga, senta e espera a inundação.

Anônimo disse...

Ei Dani!
Divertidíssimo esse post! Mande sempre novidades estou acompanhando tudo! Saudades de ti, um beijão.
Marcela Baiocchi

Unknown disse...

...nossa... eu me divirto com suas histórias!! Você consegue transformar uma goteira num acontecimento!! Texto muito, muito, muito bom!

www.claraemneve.blogspot.com

Anônimo disse...

Dani,
Tô eu aqui no trabalho, sem muita coisa pra fazer (o que é raro, acredite!), quando decido visitar o seu blog. Fico olhando pra tela, faço uma cara reflexiva, como quem está tentando entender um Picasso. Dessa forma, todos vão pensar que estou lendo um relatório importantíssimo e complexo. Vão até pensar duas vezes, antes de me interromperem. Isso vinha funcionando bem... até o inquérito da goteira! Sonoros AHAHAHA me escaparam, pondo fim a minha farsa. E valeu muito a pena. Você é ótimo, Dani!