- Dá uma licencinha?
- Hã?
- Chegadinha pro lado, pra eu passar.
- Passar como?
- Passar passando, ué.
- Você não tá vendo que estou aqui parado?
- Tô. E é por isso mesmo que eu quero passar.
- Estamos em uma escada rolante.
- Exatamente! É uma escada rolante, não uma fila rolante. As pessoas andam nas escadas.
- Mas como essa aqui rola, a gente pode ficar parado, só curtindo a paisagem.
- Que paisagem? Isso é um shopping center, só tem vitrine.
- Rapaz, de que mundo você veio? Olha ali embaixo.
- O quiosque de algodão doce? O que tem?
- Ao lado.
- A livraria?
- Entre os dois.
- Não tô vendo nada.
- ABRE O OLHO, DIABO! Não tá vendo aquela gostosa de shortinho?
- Ah. É mesmo!
- E ali à esquerda. Saca aquele cara de terno verde. Ele tá sempre por aqui, cada dia com uma roupa mais estranha do que a outra. Um personagem.
- Que figura!
- Olha, vou te contar uma coisa: a escada rolante é o novo banquinho da praça. Daqui a gente vê a vida passar, as pessoas desfilarem, o mundo acontecer. Ao menos esse pequeno mundo que é o shopping center.
- Ah é? Então me diz quem é aquela ali, no andar de cima.
- É a moça que trabalha na farmácia. Primeira a chegar e última a sair. Trabalha até nos fins de semana. Explorada pelo patrão, coitada.
- Qual o nome?
- Não tenho ideia. Mas daquele ali eu sei. É o José, funcionário da lotérica. Ele se vangloria de já ter registrado uma aposta que deu a quina. Pouca gente sabe, mas no fundo ele torce contra os apostadores.
- Que estranho.
- É a vida, ela é estranha. E a gente enxerga isso melhor parado na escada rolante, subindo e descendo em ciclos.
- Engraçado como nunca reparei nisso.
- É porque você está sempre apressado, sobe atropelando todo mundo.
- Como você sabe que eu...
- E depois corre pra aquela agência de publicidade do 2º andar.
- Mas quem te disse que...
- Aliás, dessa vez é melhor você correr mesmo, senão vai chegar atrasado para a reunião com o cliente, que acabou de passar por aqui.
- Ok, ok. Bom, de qualquer forma, muito prazer. Meu nome é...
- Daniel. Eu sei.
- Nossa, incrível! E o seu?
- O meu? Ora, você nem me conhece. Era só o que faltava, a gente quer ser simpático e o outro já vem cheio de intimidades. Daqui a pouco quer saber da minha vida, meu trabalho, meus horários...
8 comentários:
Em Brasília ou Paris suas crônicas sào o que há de melhor. Adorei..ehehe. Estava um pouco apreensiva qdo vc disse que voltaria ao Brasil e que o blog ia ser modificado, mas pelo jeito vai continuar ótimo como sempre.
merde! com as escadas, com brasília, com tudo. uma mudança assim certeza que foi motivada/ inspirada por coisas boas. que venham todas.
Um bom retrato da vida atual, em cidades como a nossa. Wellcome back.
Uma palavra pra descrever: Genuíno =D
A história só não é totalmente verossímil pela duração do diálogo com um desconhecido em Brasília...
Adorei a sua crônica. Ri mto.
Alias ri do gringo no carnaval tb.
Inclusive me sinto assim toda vez que vou ao Rio e tento subir as pessoas me olham como um E.T
Eu me pergunto se um dia voltar como será essa readaptação.
Virei fã o seu blog e já divulguei.
Boa sorte :)
Eu penso que isso está mudando aos pouucos, pelo menos em Salvador eu tenho notado que as pessoas estão, cada vez mais, se colocando à direita da escada/rampa rolante quando não tem a intenção de "bouger".
elledort.blogspot.com
você só está correndo porque você tem que correr. Porque se você não correr a casca de gelo racha e você se afoga.. (Bauman) ehhe.
Acompanho a anos teu blog. Sempre muito bom!
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