sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Autour de Paris XVIII - La place du Tertre


O velho pintor da place du Tertre reclamava do reumatismo, das dores nas costas, da tosse recorrente e principalmente do seu antigo talento agora desaparecido. Enquanto os estandes dos colegas de profissão, ao lado do seu, viviam cheios, o dele não via um cliente há tempos. Nenhum casal de namorados atrás de uma lembrança de Paris. Nenhuma senhora pedindo para transformar a foto do netinho em pintura. Nada.

Lembrando-se de sua juventude, quando fora até apontado como uma promessa das artes plásticas, ele guarda pela derradeira vez na bolsa os pincéis, as telas e o cavalete, e se perguntava em que parte do caminho havia perdido a mão.

- Hoje é meu último dia. Amanhã não volto mais, pode passar meu ponto para outro, comenta com o pintor ao lado, que parece não dar muita bola.

Nisso aparece uma menina, pulante tal qual perereca, que senta na cadeira à sua frente. Ele resmunga.

- Tá fechado. Pra sempre.

Ela não diz nada, apenas sorri.

- Você não escuta, mocinha? Não pinto mais. Agora vai se levantando que eu preciso guardar essa cadeira também. Escolhe outro, mais jovem, com mais jeito pra coisa. Aqui na praça tá cheio. Eu acabei.

A menina continua a ignorar as palavras e o mau humor do velho. E o fica encarando, esperando.

- Ai, meu Deus, e agora mais essa. Tá bom, fica quietinha que eu vou fazer uns rabiscos aqui. E depois você vai embora com o seu quadro, ok?

Ele pega todo o material que já havia guardado, remonta o cavalete e procura um carvão. Pra livrar-se logo da aporrinhação, traça em poucas linhas o rosto da criança. Alguns riscos depois considera acabada a tarefa. Mas aí olha novamente para a menina e percebe que o vento trouxe uma flor, que pousou suavemente em cima dos cabelos dela.

- Espera aí, faltou um detalhe.

Abre novamente a bolsa, busca umas tintas e prepara uma palheta para pintar o novo elemento.

- Está melhor, fala sozinho.

O velho encara novamente o quadro e a criança. E nota que atrás dela há um passarinho, quieto, observando a cena. Mistura mais algumas cores e desenha também o pequeno animal. A menina, imóvel e em silêncio, continua a sorrir.

- Já estou quase terminando, diz, reparando que agora um raio de sol de fim de tarde bate sobre o rosto dela e revela um tom de laranja que há muito tempo ele não via.

O pintor busca no meio das suas coisas as tintas especiais que havia guardado para uma ocasião que nunca aparecera e colore ligeiramente o desenho. Aproveita que já montou todo o seu aparato e aproveita para incluir alguns detalhes, até finalmente dar a obra por encerrada.

- Pronto. Venha ver. Até que não ficou mau, né? Acho que resta ainda algum talento nesse velho aqui.

A menina levanta da cadeira e pára ao lado do homem, alegre e rejuvenescido. Depois tira umas moedas do bolso e dá pra ele como pagamento. Ele recusa.

- Pode levar. É presente.

Ela olha para o quadro, dá um beijo na tela, outro na bochecha do pintor, e diz.

- Não. Esse é o meu presente pra você.

A criança devolve a obra ao artista e vai embora, saltitante.

Esse texto faz parte da série "Autour de Paris", de crônicas dedicadas a cada um dos bairros da cidade. Para ler os outros, clique aqui.

4 comentários:

Unknown disse...

Votado! Não tenho tido tempo pra lê-lo, mas pelo que já li... o voto é certeiro!

Mami disse...

Lindo texto! Muito sensível.
Já votei e por mim o blog estaria muito na frente dos outros..........
E não é corujice (?)
Beijos,
Mami

Camila Santos disse...

Nem preciso dizer que adorei o texto,né? Também votei no Chéri, é claro!

Anônimo disse...

Tocante. Simples e poético. Parabéns!