Começada em Paris, a caravana dos Cariello passou por Marseille e
depois chegou a Roma, a partir de onde veio a ser reforçada com a
presença do meu pai. O rumo seguinte e de onde escrevo nesse instante, a
pequena San Giovanni a Piro, no sul da Itália, é uma espécie de Meca da
família. Foi daqui que partiram meu bisavô e minha bisavó, há um
século, em direção ao Brasil. Chegaram a São Paulo e depois
instalaram-se no Rio de Janeiro, onde nasceu meu avô paterno. E mais
tarde mudaram-se para Vitória, terra natal do meu pai.
San Giovanni a Piro é um vilarejo do qual ouço falar desde pequeno. E no meu universo infantil construí a imagem de um lugar velho e escuro. Afinal, se meus antepassados o abandonaram é porque devia haver algo errado. Mais velho descobri que esse "algo errado" era a forte crise pela qual a Itália passava na época, causa de um enorme êxodo populacional, principalmente em direção ao Brasil e aos Estados Unidos. Mas a pintura construída na infância permaneceu na minha mente.
Nossa chegada ao vilarejo, perto da meia-noite, ajudou a reforçar essa impressão de abandono. Poucos dos cerca de dois mil habitantes estavam na rua, o que é bem compreensível em um lugar desse tamanho.
Na manhã seguinte, o sol brilhava. E os rostos e espíritos foram se mostrando aos poucos. Como na casa de Francesco Cariello, um primo distante. Meus pais já haviam estado um par de vezes na cidade, com dois dos meus três irmãos, e conhecem muitos endereços e pessoas. É meu pai quem toca a campainha. Vincenza, esposa de Francesco, atende. Ela abre a porta e um enorme sorriso.
- Orlando!
- Vincenza!
- Comme stai?
- Tutto benne. E voi?
- Tutto benne. Há quanto tempo... Francesco não está, mas volta logo.
No mesmo instante, nosso primo vira a esquina em seu velho carro. Nem bem acabamos os cumprimentos e já haviam chegado mais parentes. E logo outros mais. Não sei como ou de onde vieram. Em poucos minutos éramos quinze Cariellos conversando (ou tentando) animadamente, como velhos conhecidos. Ou como a família que somos. Fomos embora deixando abraços efusivos e a promessa de voltarmos a nos encontrar.
Depois do almoço, instalamo-nos na varanda do Albergo La Pergola, o maior (senão único) hotel local. E as visitas, de surpresa ou não, sucederam-se em perfeita sincronia. Vincenzo, que está aprendendo português para falar com o ramo brasileiro da família. Rosalia, a moça simpática que não é prima, mas é como se fosse. Filippo e sua esposa Maria, famosos no nosso núcleo familiar por terem oferecido uma refeição de 7 pratos na primeira visita dos meus pais, em 2003.
Entre uma aparição e outra, Charlotte e eu decidimos dar uma volta de reconhecimento da cidade, fundada em torno do ano 900, em uma área elevada (a Piro significa "no alto") e perto do Mediterrâneo. A vista para o belo Golfo de Policastro é de emocionar. Ainda mais quando penso que desse mesmo mar meus bisavôs partiram para o Brasil, há mais de 100 anos. E neste país distante e desconhecido fundaram uma família. A minha família.
Embrenhamo-nos nas ruelas de San Giovanni a Piro, entre escadas, pequenos becos e varais com roupas secando. Entre velhos conversando e crianças brincando. Entre cachorros e gatos aparentemente sem donos. Entre grandes sobrados e pequenas moradas, todos com as portas abertas. E cumprimentando os que cruzávamos.
- Buona sera!
- Buona sera!
Um pouco ao longe, avistei uma pequena família. Os pais sentados no batente em frente a uma casa. O filho divertindo-se com seu carrinho.
- Buona sera!
- Buona sera!
Na hora, pensei nos meus bisavós, nunca mais retornados à terra natal, e principalmente no meu avô, que morreu sem ter conhecido suas origens. Se tivessem permanecido em San Giovanni a Piro, talvez se parecessem com aqueles ali. E não é que havia mesmo uma semelhança daquele bambino com as antigas fotos do pai do meu pai?
Olhei para trás, para vê-los mais uma vez. O menino parou de brincar e passou a me fitar. Também fixei a vista nele, que sorriu pra mim e piscou com o canto do olho, em uma cumplicidade ancestral. Virei pra frente e continuei meu caminho, sorrindo.
San Giovanni a Piro é um vilarejo do qual ouço falar desde pequeno. E no meu universo infantil construí a imagem de um lugar velho e escuro. Afinal, se meus antepassados o abandonaram é porque devia haver algo errado. Mais velho descobri que esse "algo errado" era a forte crise pela qual a Itália passava na época, causa de um enorme êxodo populacional, principalmente em direção ao Brasil e aos Estados Unidos. Mas a pintura construída na infância permaneceu na minha mente.
Nossa chegada ao vilarejo, perto da meia-noite, ajudou a reforçar essa impressão de abandono. Poucos dos cerca de dois mil habitantes estavam na rua, o que é bem compreensível em um lugar desse tamanho.
Na manhã seguinte, o sol brilhava. E os rostos e espíritos foram se mostrando aos poucos. Como na casa de Francesco Cariello, um primo distante. Meus pais já haviam estado um par de vezes na cidade, com dois dos meus três irmãos, e conhecem muitos endereços e pessoas. É meu pai quem toca a campainha. Vincenza, esposa de Francesco, atende. Ela abre a porta e um enorme sorriso.
- Orlando!
- Vincenza!
- Comme stai?
- Tutto benne. E voi?
- Tutto benne. Há quanto tempo... Francesco não está, mas volta logo.
No mesmo instante, nosso primo vira a esquina em seu velho carro. Nem bem acabamos os cumprimentos e já haviam chegado mais parentes. E logo outros mais. Não sei como ou de onde vieram. Em poucos minutos éramos quinze Cariellos conversando (ou tentando) animadamente, como velhos conhecidos. Ou como a família que somos. Fomos embora deixando abraços efusivos e a promessa de voltarmos a nos encontrar.
Depois do almoço, instalamo-nos na varanda do Albergo La Pergola, o maior (senão único) hotel local. E as visitas, de surpresa ou não, sucederam-se em perfeita sincronia. Vincenzo, que está aprendendo português para falar com o ramo brasileiro da família. Rosalia, a moça simpática que não é prima, mas é como se fosse. Filippo e sua esposa Maria, famosos no nosso núcleo familiar por terem oferecido uma refeição de 7 pratos na primeira visita dos meus pais, em 2003.
Entre uma aparição e outra, Charlotte e eu decidimos dar uma volta de reconhecimento da cidade, fundada em torno do ano 900, em uma área elevada (a Piro significa "no alto") e perto do Mediterrâneo. A vista para o belo Golfo de Policastro é de emocionar. Ainda mais quando penso que desse mesmo mar meus bisavôs partiram para o Brasil, há mais de 100 anos. E neste país distante e desconhecido fundaram uma família. A minha família.
Embrenhamo-nos nas ruelas de San Giovanni a Piro, entre escadas, pequenos becos e varais com roupas secando. Entre velhos conversando e crianças brincando. Entre cachorros e gatos aparentemente sem donos. Entre grandes sobrados e pequenas moradas, todos com as portas abertas. E cumprimentando os que cruzávamos.
- Buona sera!
- Buona sera!
Um pouco ao longe, avistei uma pequena família. Os pais sentados no batente em frente a uma casa. O filho divertindo-se com seu carrinho.
- Buona sera!
- Buona sera!
Na hora, pensei nos meus bisavós, nunca mais retornados à terra natal, e principalmente no meu avô, que morreu sem ter conhecido suas origens. Se tivessem permanecido em San Giovanni a Piro, talvez se parecessem com aqueles ali. E não é que havia mesmo uma semelhança daquele bambino com as antigas fotos do pai do meu pai?
Olhei para trás, para vê-los mais uma vez. O menino parou de brincar e passou a me fitar. Também fixei a vista nele, que sorriu pra mim e piscou com o canto do olho, em uma cumplicidade ancestral. Virei pra frente e continuei meu caminho, sorrindo.
20 comentários:
ah! que lindo! qtas imagens! qdo a gnt fala da gente... tdo fica mais bonito!
adorei dani! me diverto lendo o seu texto e me emocionei tb!
beijinhos
Ai, que texto lindo, Dani, fiquei até emocionada!!
Que maneiro isso. Meus bisavôs paternos (quer dizer, avôs do meu pai, pais da minha avó) são da Itália também. Ou mehlro, eram da Itália. Acho que da região da Calábria, lá na ponta da bota. Nunca cheguei e ir lá, nem os conheci, mas tenho curiosidade de dar um pulo por aí também.
Excelente relato.
Abração!
emocionante !
Já que estou quase-quase criando raízes, pelo menos viajo por suas fotografias textuais...
.
Bj!
Eu sempre me impressiono com a sua capacidade de me emocionar.
Lindo texto!
Danilo Peluso disse...
belo texto!!! Minha familia também é de San Giovanni e vieram pro Brasil na mesma época que a sua e pelo mesmo motivo. Abraços.
adorei saber da viagem de vcs à San Giovanni a Pirro, que já conheço das outras idas lá de seu papi e mami, meus queridíssimos amigos.
bj,
Marcia
PS: Como vc escreve bem, Daniel.
Texto emocionante mesmo! Só de imaginar nossos bisavós lá é de arrepiar!!! Com certeza, o auge da nossa viagem!
Ps: da próxima vez só não podemos esquecer de confirmar nossas reservas no albergo, né? :))
Beijocas!
Emocionante mesmo. Me vi andando pelas ruas de San Giovane. Parabéns pelo texto e pelo blog.
Estava fazendo pesquisa sobre San Giovanni a Piro, que é a terra dos meus bisavos e fiquei verdadeiramente encantada com seu texto...acho que partilhamos a mesma história, como outros tantos descendentes. Adorava connehcer San giovanni e estou programando a viagem pra o ano que vem, mas tenho alguma dificuldade já que nunca ninguem de minha familia lá esteve. Sou da familia Scarano, vc conhece alguém com esse sobrenome por lá?
Mais uma vez te parabenizo pelo texo...sucesso!!!!
Michele Frabetti Dai Scarano
Olá Primo !!!
Sim, certamente vc é meu primo! Somos da família Cariello oriundos de San Giovanni A Piro!
Adorei seu relato!
Eu e meu marido estamos indo a Itália agora em dezembro e gostaríamos muitíssimo de ir até lá ... Vamos fazer o impossível!
Caso vc ainda more em Paris, minã irmã mora lá a mais de 15 anos ... Tb estaremos em Paris em Dezembro - De repente, quem sabe a gente não se esbarra nos cafés da vida???
Bjks e tudo de bom!!!
Olá Primo !!!
Sim, certamente vc é meu primo! Somos da família Cariello oriundos de San Giovanni A Piro!
Adorei seu relato!
Eu e meu marido estamos indo a Itália agora em dezembro e gostaríamos muitíssimo de ir até lá ... Vamos fazer o impossível!
Caso vc ainda more em Paris, minã irmã mora lá a mais de 15 anos ... Tb estaremos em Paris em Dezembro - De repente, quem sabe a gente não se esbarra nos cafés da vida???
Bjks e tudo de bom!!!
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meus avós são de San giovanni.Não sei se os De Angelis ou os Guida.
Sempre tive a maior vontade de conhecer. Depois q/ li o q/ vc escreveu, a vontade aumentou
Obrigada
claudia
Minha familia também é oriunda de San Giovanni a Piro! Os Magliano!
Oi Dani,
Adorei seu texto e me reportei a época dos meus antepassados e viajei junto com você. Já prometi a mim mesma não morrerei antes de conhecer San Giovanni a Piro.
Abraços luciani Sorrentino
Oi!!! Eu sou Filha de pai Cariello e mãe Magliano ,ambos de San Giovanni a Piro!!!
Olá é realmente bacana essa trip que vc fez, resolvi procurar um pouco mais da nossa familia tambem, e realmente é surpreendente como a historia, nos faz sentir bem. como vc usou no seu texto, só é lamentavel, saber que meu avó, e meu bisavó, não teve a oportunidade retornar e viver bons momentos, nesse lugar que parece muito bonito.
Ja consigo pensar em um novo roteiro pra minha viagem rs.
Humberto Carielo
Você contou em seu texto a história de minha família, meu bisavô veio de San Giovanni a Piro,chamava-se Perazzo Antonio Gaetano. Meus irmãos foram a Salerno,fizeram pesquisas descobriram a igreja onde ele e seus irmão foram batizados, encontraram muitos Perazzos em San Giovanni mas nenhum deles sabe quem são seus ancestrais.
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