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sexta-feira, 4 de janeiro de 2008
Leres em tilt
Um dia desses estava com amigos brasileiros no RER, o trem que liga Paris aos seus subúrbios, conversando normalmente no mais claro português. Numa das paradas entra uma mulher meio descabelada, olhos bem abertos e um meio sorriso que não saía da boca de jeito nenhum. Fica olhando pra gente um bom tempo e decide puxar assunto, em francês.
- Oi.
- Oi.
- Eu vi que vocês falam português.
- Sim, falamos.
- Posso sentar aqui perto?
- Claro.
Sentou e ficou nos encarando, o olhar perdidão, a cabeça a balançar e os pés que não paravam de bater alternadamente no chão, marcando um ritmo que só ela compreendia. Continuamos conversando sem dar muita bola. Do nada ela solta uma frase.
- Sabe, adoro escutar essa língua.
- E você entende?
- Sim, claro. Sou brasileira.
- Ué. E por que não fala com a gente em português?
- Boa idéia.
Até então, parecia que ela não tinha se dado conta de que estava se comunicando em outra língua. E fez um esforço para mudar a chave cerebral de idiomas do francês para português. Acontece que a dela estava em curto-circuito.
- Sabe, j'aime beaucoup morar em Paris.
- É?
- É. C'est très bonito.
- E o que você faz por aqui?
- Je trabalho.
- E não sente muita falta do Brasil?
- Moi? Não, não, não, não.
- Qual seu nome?
- Leres.
- Leles?
- Pas du tout. Leres. Repete.
- Leres.
E fez cada um de nós repetir, para ter certeza de que havíamos compreendido.
- Toi!
- Leres.
- Agora toi.
- Leres.
- Voilà. Et toi?
- Leres.
- Très bien. Vocês entenderam. Sabe, les gens não entendem bem. Acho que elas são un peu confusas.
- É, tem muita gente confusa no mundo.
- E você, o que faz aqui en France? Perguntou pra mim. E eu adoro conversas surreais.
- Eu vim com ela.
- Elle te trouxe?
- Sim, primeiro tentou trazer um índio e uma arara, mas o Ibama não deixou. Aí se contentou comigo mesmo.
- O Ibama c'est sempre compliqué.
Logo se dirigiu a um de nós e mudou totalmente de assunto. Tagarelou uns bons minutos sem parar, gesticulando, perguntando e respondendo pra si mesma, rindo do que dizia. Só que ela falou em francês. E o escolhido, um amigo que passava férias em Paris, não manja uma só palavra do idioma.
- Leres.
- C'est moi.
- Não entendi nada do que você disse.
E ela começou a repetir tudo, de novo em francês.
- Leres.
- C'est moi.
- Continuo sem entender.
Quando ia começar a repetir mais uma vez, chegou a estação na qual esse amigo precisava descer. Ele despediu-se de nós e saiu do trem. A Leres mudou de cadeira e veio falar baixinho no pé do ouvido, pra ninguém mais ouvir.
- Ton amigo não entende nada, né? Ni français e nem português.
- Ele tem dificuldade.
- Credo. Tenho horror dessas pessoas confusas. Vraiment.
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7 comentários:
essa também tem uma boa dose de licença poética, né...
Tudo bem que, de perto, ninguém é normal... mas só tem doido nesse país???? hahahahhahahah...
kkkk, quer ver eu! As vezes eu fico doidinha tentando entendero o que os outros falam em francês, ou fico mais doida ainda tentendo falar!! Cansei com um frances moro aqui a 5 meses, adoro! mas, o frances é complicado, né?!
Me visita!
Nós lingüistas chamamos isso de dupla personalidade lingüística ou gente doida, mesmo!!! hehehehehe
Feliz Ano Novo!! Que 2008 seja adorável e inesquecível!
Tinha uma menina que estudava comigo na UnB e tinha morado um tempo em Londres. Ela ficava toda hora dizendo "ah, como se fala isso em português? Não sei a palavra". No começo, soou engraçado, mas, com o tempo, neguinho começou a ridicularizar a mulher, porque parecia uma coisa pedante, meio forçada, ela dizer que não sabia falar o tempo todo em português.
Curto-circuito total!!!
Absssss
Concordo com o(a) tresporquatro... aí só tem gente doida? =O
Beijos, Daniel.
hahahahah, excelente!!
Parabéns, gostei mto do blog!
voltarei mais.
Piu!
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