sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Efeito Paris


Uma das coisas mais interessantes de morar em Paris e visitar o Brasil é observar os diversos efeitos que isso causa nas pessoas. Alguns conhecidos passaram a me ver como se, de repente, eu tivesse ganho mais uma perna.

- Lembra do Daniel? Ele agora mora em Paris.
- Nossa! Em Paris?
Aí a pessoa vinha me tocar pra ver se ainda era eu. Me olhava, pegava no cabelo, no nariz.

Mas o mais curioso aconteceu em duas ocasiões: em um médico e em um dentista. A primeira foi quando fiz meu exame de renovação de carteira de motorista.

- Telefone de contato?


Passei o de casa, em Brasília.

- Tem um celular?
- Tenho, mas não vou mais usar, pois não moro mais aqui.
- Mora onde?
- Em Paris.


O cidadão arregalou os olhos, meio deslumbrado.

- Mais ça c'est très chique! J'aime Paris. Conheço um pouco o idioma.

E aí continuou a consulta falando apenas francês. Chegou a hora do exame de vista.

- Quelle couleur?
- Amarelo.
- Non! En français!!!
- Jaune.
- Très bien!
- Quels caractères?
- A, cê, agá
- Non, non, non! Pas de portugais.
- Pardon. A, cê, ache.


Depois que contei um pouco da minha vida na capital francesa, ele deu o veredito.

- Seu francês está muito bom. Mas sua vista pode melhorar um pouco. Recomendo que você use óculos pelo menos à noite.
- Obrigado.
- Hein?
- Merci...


E pegou um lenço branco e acenou pra mim. Uma cena meio melancólica.

- Au revoir! Au revoir! Embrasse Paris...


Sai de lá direto pro dentista. O mesmo que me atendeu a vida inteira. Ao chegar, lembrei-me porquê sempre tive pavor do sujeito.

- Olá, Daniel. Tá sumido. Senta.

Acomodei-me na cadeira e abri a boca. Ele deu uma olhada. E já ligou aquele motorzinho que me assombra desde a infância.

- Sua mãe falou que você tá morando em Paris. Encostou o motor no meu dente.
- Aahhhhh.
- Tá gostando?
E começou a raspar. Doeu pacas.
- Aaaaaahhhhh.

O carniceiro não dava trégua. E logo trocou o aparelho de tortura. Pegou uma espécie de foice pequena, pra limpar entre os dentes. Com a metade da mão na minha boca, sobrava pouco espaço pra articular as palavras.

- E o que você faz lá?
- Eu ...abalho ...uma ...evista.
- Hein?
- ...uma ...evistaaaahhhh.
- Olha. Não dá pra fazer bem feito se você continuar falando.


Ele não queria que eu falasse, mas também não parava de perguntar.

- Onde você mora lá?
- ...astilha.
- Não entendi nada.
E forçou tanto com o aparelho que me machucou a gengiva.
- ...as-ti-lhaaaai ai ai ai...
- Ah, Bastilha.


Balancei a cabeça afirmativamente, enquanto uma lágrima corria. Não tentei mais emitir nenhum som. Era mais seguro.

Terminada a sessão de maldades, meu dentista me fez lembrar de um outro trauma que adquiri na infância: as suas brincadeiras totalmente sem graça.

- Voilà. Agora é seu teste final de francês: quero ver você fazer o biquinho com toda essa anestesia na boca.


É claro que não consegui. Ele se divertiu à beça com isso. Eu me satisfiz em sair vivo de lá.

Na manhã seguinte, ainda sob o efeito de tantos choques emocionais, não conseguia mais fazer o biquinho direito. Pensei em procurar um psicólogo pra me ajudar. Francês, claro.

7 comentários:

Anônimo disse...

E esse livro, sai ou não sai heim?

Patrícia.

Unknown disse...

duas perguntas:

-Onde vc fez seu exame médico? Na Aliança Francesa? hehehehehehe

Ah! Quanto à "foice pequena"...chorei de rir! Fiquei imaginando a própria Dona Morte cuidando dos seus dentes!! kkkkkk

Anônimo disse...

Caramba...

Achei esse blog vindo do blog de um amigo que linkou pra você. E é a melhor coisa que li na internet nos últimos tempos. Como faço pra assinar???!!!

Jonas

Barbarela disse...

Mon Cher ami,
I´m back in town, não ouse se ausentar sem me ver!! Super saudades de vc.
Bjocas
Bárbara

Felipe disse...

Essa foi boa. Morar em Paris vem inevitavelmente acompanhado de um "porra, esse cara é chique pra caralho", mesmo que seja só em pensamento.

Prih-menta & Caracol disse...

kkkkkkkkkkkkkk
Muito bom, muito bom!!
mas perái, você veio por essas bandas de cá e nem deu um alozinho? Como vou saber se voc~e continua sendo voc~e mesmo? risos...
adoro!!!

Chéri disse...

Oi, Priscila!

Pois é. Acabou sendo tão corrido. Mas posso garantir que continuo o mesmo. E você? :)

Beijos.