sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Carga pesada


Seis meses depois de chegar em Paris, voltei para visitar o Brasil. Em Brasília ficou grande parte das minhas roupas. Uma coisa prática, pois quando viesse à minha cidade-natal poderia viajar com uma mala não muito grande, sem parecer um retirante que coloca toda a casa em cima de um burro.

Semanas antes de partir já sabia o que levar: umas camisas, dois casacos, três calças, três pares de tênis e alguns pequenos presentes. Tudo deveria caber numa valise de tamanho médio.

Mas a visita do meu caro amigo DJ começou a desmontar meus planos. Marinheiro de primeira viagem, ele foi pra Europa com duas malas tamanho monstro. Ao chegar em Paris, não aguentava mais tanto peso.

- Posso deixar aqui algumas poucas peças de roupa pra você levar pra mim quando for ao Brasil?
- Pode, claro.
- Já está até separado ali no canto.


As "poucas peças de roupa" a que ele se referia se tratavam de três sacolas esturricadas de bermudas, camisas, cuecas, meias e calças em um estado tal que fogueira seria pouco pra tirar a nhaca acumulada.

Esse imprevisto me fez mudar de estratégia, que passou a incluir uma segunda valise. E foi aí que tudo degringolou de vez.

Agora com espaço sobrando, pensei que poderia levar mais presentes, algumas Brazucas e ainda aceitar encomendas de amigos. Um dia antes de fazer a mala, me sentia um muambeiro do Paraguai. Minha sala estava tomada por 3 chaleiras elétricas, um moderno filtro de aquário (e eu nem sabia que existiam modernos filtros de aquário), 5 vidros de perfume, roupas para todos os bebês da família e de agregados, 15 sabonetes de Marseille, 2 garrafas de vinho, 2 geléias, 2 salames, 3 sacos de vestimentos fétidos do meu amigo e, pra fechar com chave de ouro, 50 revistas Brazuca.

Separei duas malas gigantes pra caber tudo. Em uma acomodei os pútridos trajes do sujeito e as bugigangas elétricas, esperando que não derretessem com a fedentina. Na outra coloquei todo o resto e as revistas. Como moro perto da Gare de Lyon, de onde sai o ônibus pro aeroporto, acreditava que a missão não seria das mais difíceis.

- Acho que vai dar pra levar.

Uma das valises ainda estava num estado razoável. Mas a outra já merecia ter sido aposentada há alguns anos. E o pior: a alça estava a um triz de arrebentar.

Em frente do meu prédio tem uma feira de rua, sempre movimentada. Quando saí, me vi no inferno. Centenas de pessoas e eu querendo passar por elas com toda a bagagem e ainda uma mochila nas costas.

- Pardon Monsieur.
- Olha por onde anda, rapaz.
- Pardon Madame.
- Vê se não vai jogar essas malas em cima de alguém.


Pra piorar, só faltava arrebentar a alça. Mas isso logo se resolveu. Dei um passo em falso, a maldita rompeu-se de um lado. Fui então puxando devagarinho, pra tentar administrar o problema. Mas não adiantou, pois ela partiu-se totalmente antes de eu conseguir atravessar a feira.

Se carregar duas malas grandes e lotadas já é uma tarefa ingrata, carregar uma sem alça é uma experiência desastrosa. O caminho até a Gare de Lyon, normalmente vencido em menos de dez minutos a pé, nunca pareceu tão longo.

Respirei fundo e tentei seguir em frente. As pessoas passavam por mim olhando com um misto de pena e preocupação. Eu estava com a cara tão vermelha - de esforço e de raiva - que deviam pensar que iria implodir a qualquer momento.

Eu rezava para que um transeunte se propusesse a me ajudar. Mas o máximo que consegui foi um apoio verbal de um velhinho que caminhava a passos de escargot.

- Não desista, meu jovem.


Apesar do incentivo, quase já não conseguia mais andar. E ainda faltava um tanto pra chegar ao objetivo. Tracei uma nova tática: passei a alternar a mão com a qual carregava a mala mais pesada, que deveria ser invariavelmente levantada para poder sair do lugar.

Pega com a mão direita, levanta, anda vinte e poucos metros. Pára. Descansa. Respira. Pega com a mão esquerda, levanta, anda mais um tanto. Pára. Descansa. Respira, respira. Pega com a direita, prende o fôlego e avança. E assim foi durante minutos que pareciam sem fim.

A coisa ia devagar, mas ia. Ao avistar o ponto de ônibus, fiquei tão feliz que distraí. Foi fatal. A mala pesada escorregou e num esforço idiota para segurá-la no ar dei um baita mau jeito no ombro. Enquanto doía pacas, a outra saiu rolando em direção à rua. Com o ombro latejando, corri para evitar o atropelamento da minha bagagem. Mas a vontade mesmo era jogar as duas embaixo do primeiro caminhão que passasse.

Exausto, descabelado, suado e de péssimo humor, cheguei à parada e coloquei tudo no bagageiro. Desci no Aeroporto Charles de Gaulle e fui ao balcão da Air France fazer o check-in. A mala-sem-alça (em todos os sentidos) pesava 28 quilos. A rebelde das rodinhas, 21. O atendente fez um comentário infeliz.

- Pesadas, hein? Ainda bem que essas malas mais novas são fáceis de carregar.


Olhei com a cara mais séria do mundo e levantei o canto direito da boca, num esforço para ser simpático. Mas naquela hora tava difícil.

11 comentários:

Cidade Cognitiva disse...

Meu caro Daniel Tatit,

esta crônica tive que ler em voz alta para a Cris que estava na cozinha preparando o almoço e não estava se conformando com o fato de eu estar gargalhando sozinho. Está ótima peça ao Galuber Cariello pra fazer um curta. Vai ganhar o Kikito do ano que vem em Gramado.

Ah! na sua próxima vinda, por favor algumas latas de Foie Gras e queijo roqueforte de bom tamanho pra gente comer com os amigos é só que nós queremos encomendar.

VALHA!!! disse...

Como sempre, até com sono consigo rir dos seus textos. E olha que é tarefa difícil, me fazer rir com sono!!!

Já começo a planejar minha ida a território francês (com alguns anos de antecedência, verdade).

Mas conta... vc já voltou de vez ou ainda vai dar uns passeios por lá?

Abraços...

Natália

Barbarela disse...

Dearest friend,

Excelente história. Morri de rir!!!
Como nos encontramos, tem espaço na agenda concorrida?
Bjocas
Bárbara

Chéri disse...

Olá a todos.
Não voltei de vez não. Só tô aqui visitando mesmo. Fico um mês inteiro, então teremos muito tempo pra encontrar os amigos.

Beijos!

Unknown disse...

...pensemos pelo lado positivo: poderia ser uma mala-sem-alça-de-papelão-em-dia-de-chuva, mas não era! hehehehehe

prolixa disse...

Ai, Daney! Confesso que não ri muito dessa vez, porque passei por algo parecido em NY. Do albergue em Manhattan pro JFK, de metrô, sendo que trocamos de estação no metrô e ainda tivemos que pegar o air train pro aeroporto, isso tudo com 8 malonas (pra 4 pessoas). Aff... só de lembrar me bate um ódio, por não ter pego um táxi que me deixaria dentro do salão de embarque. Dê notícias de seu itinerário em BsB pra gente tomar uma pra esquecer esse sofrimento. CY

Anônimo disse...

Diferente da maioria dos outros "posts" nao te conheco, mas quero te parabenizar pelo blog, divertidíssimo e muito bem escrito. Ainda que tenha encontrando por acaso, passei algumas horas lendo seus relatos...
Parabéns!

Vinicius
vfrabello@hotmail.com

tresporquatro disse...

Complicada esta história de ficar rinda da desgraça alheia... mas neste caso, caro companheiro, é inevitável. Mais uma excelente desventura em terras d'alem mar... um grande abraço.

Anônimo disse...

Cara, sem palavras...

Nem me lembro mais de como encontrei teu blog. Favoritei... Foram ótimas as horas insones que passei lendo teus meses (não troquei de leitura, tampouco fiquei com sono, logo, teu blog c'est foda)!

Não te conheço, mas aguardo atualização.

;*

PS.: Melhor coisa de tudo isso - vou tentar observar melhor meus dias (eles não podem ser tão sem graça... não, não podem).

Anônimo disse...

E ainda é meu conterrâneo... Que orgulho! :)

talesdj disse...

mentiroso safado!!! eram só duas sacolas do carrefour limpas... mas tu ainda tem licença poética!!!