sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Dando um gás na Sorbonne

Quando ele entrou na sala vestido com um blazer estilo pagodeiro playboy e com a franja parecida com aquelas vassouras de metal para recolher folhas no inverno, com poucos e separados tufos caindo sobre a testa, eu já deveria ter desconfiado e picado a mula, como outros fizeram. Mas acabei ficando.

O cara havia sido convidado por um professor do mestrado para falar sobre a situação político-administrativa de Montpellier nos últimos 10 anos. Um assunto com o poder de ser incrivelmente desinteressante. Em uma lista feita com os assuntos mais desinteressantes da história, esse veio em terceiro. O segundo foi reservado às possíveis implicações de exames de toque em cavalos da raça mangalarga, e o primeiro ao ciclo de crescimento dos jilós. Era o tipo de tema que, se abordado em um almoço de família, não tardaria uma perna de frango atravessar voando a mesa em direção ao coitado que iniciou a conversa. Na sala de aula o problema era mais complicado, principalmente porque não havia pernas de frango disponíveis no momento.

O lado bom da intervenção é que 30 minutos após seu começo a turma estava na mesma sintonia: se possível, todos pulariam no pescoço no sujeito até que ele mudasse de assunto ou decidisse ocupar o tempo que lhe era reservado de maneira mais útil, cantando, fazendo um concurso de poesias ou ensinando técnicas avançadas de gargarejo.

Com o cérebro em modo off, eu eventualmente captava expressões como “pensar de uma nova maneira os diretórios regionais”, “reaquecer as políticas de incentivo” ou “verbas remanejadas em prol dos produtores de queijos fedorentos”. Uma das alunas divertia-se enfiando o próprio cabelo no nariz. Numa desesperada tentativa de se manter acordado, um outro furava a mão com um canivete. Havia ainda um terceiro que desenhava caricaturas do palestrante em situações não muito confortáveis, como sendo enforcado e em seguida guilhotinado, ou perseguido por uma família de leões famintos.

Uma hora e meia depois, quando os óculos do professor que o convidara já havia caído duas vezes no chão em virtude de inevitáveis pescadas, ocorreu a fantástica cena que salvou a tarde dos alunos e acabou com a do convidado.

Ele acabara de dizer “mas isso não é tudo, tem o outro lado da história que mostra toda a complexidade do assunto”. Aí fez uma pausa dramática, daquelas que só os campeões mundiais da chatice são capazes de fazer, para ressaltar a importância do que viria. De pé, no meio da sala, respirou fundo e colocou uma das mãos no bolso. O que ocorreu em seguida foi tão sincronizado com esse gesto que nas conversas posteriores alguns disseram acreditar por um instante que ele havia acionado uma máquina dentro da calça, ou algo parecido. Mas não foi isso.

Quando a classe atingira o ápice do silêncio, em suspense total, o sujeito relaxou um pouco mais e soltou inadvertidamente um baita pum. Uma bufa tão barulhenta que até acordou uma desavidada que cochilava com a cabeça abaixada na mesa.

- Bom, mas em virtude da hora adiantada, podemos deixar esses aspectos para uma outra ocasião, quem sabe. - Disse o pobre coitado, olhando para o nada, sem saber onde enfiar a cabeça.

Já os alunos sabíamos muito bem onde enfiar as nossas: fora da sala, pois a coisa já começava a cheirar muito mal. E foi isso que fizemos, com o professor correndo na frente.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Os inacreditáveis jogos de inverno


Existe uma teoria que prega que os jogos olímpicos de inverno não existem, são apenas o fruto da imaginação das pessoas. Segundo essa teoria, quando a temperatura atinge -30ºC, uma parte do córtex cerebral congela e criam-se imagens mentais bem estranhas. Relatos colhidos nos países do norte descrevem situações bizarras. John Icemore conta ter assistido na TV um esporte no qual um sujeito lança uma pedra de granito em um solo congelado e dois outros vão na frente dessa pedra varrendo loucamente o chão para que ela atinja uma marca no solo. John ainda foi além e afirma que essa estranheza chamaria-se curling. Nota-se, pois, uma alucinação tão absurda quanto a descrita por Marie Frozen, que jura de pés juntos ter visto uma equipe de brasileiros participando dessas supostas competições. Só se for vendendo picolé de manga.

Apesar dessas controvérsias, há quem assegure que os jogos realmente acontecem. Pelo menos é o que nos faz acreditar a televisão francesa, ao acompanhar de perto o desempenho dos atletas gauleses, ouro na prestigiosa prova de combinado nórdico. Ao contrário do que o nome possa sugerir, não se trata de um trenó puxado por um sueco e um norueguês. No entanto, e infelizmente, mais informações não sou capaz de dar.

Dizem que a edição 2010 da famigerada competição de inverno estaria sendo realizada nesse exato momento em Vancouver, no Canadá, um país que se vangloria de ser dono do Pólo Norte, casa do Papai Noel. Confesso que só tenho certeza da existência do Canadá devido ao fato de ser a terra natal de Neil Young, trilha sonora obrigatória de qualquer roqueiro que se preze.

Por mais que tentem me convencer, eu ainda não consigo acreditar na existência desses jogos olímpicos versão congelada. Principalmente quando vi a cerimônia de abertura na TV, que mostrava uma enorme tocha no meio de todo aquele gelo e ele nem derretia. Pra cima de moi não, né?
Belle & Chico tentam se recuperar do carnaval brasileiro. Em http://www.bellechico.com.br/

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Rio, 42


- Quer um limão?
- Mais tarde.
- A banda de Ipanema sai amanhã.
- Prefiro o Bola Preta.
- Tá doido? esse tá cheio demais. Ano passado deu mais de um milhão.
- Sanduíche natural, olha o sanduíche.
- O sujeito abre uma lata de atum, coloca no pão e chama isso de sanduíche natural.
- Chamou, freguês?
- Chamei não.
- Quem quer empada?, empada praiana.
- Tem de frango?
- Acabou. Tem palmito.
- Duas.
- Sete reais.
- Ontem era seis.
- Hoje é sete. Quer ou não?
- Dá.
- Açaí, açaí.
- Domingo tem o cordão do Boi Tatá.
- Desse eu gosto, mas é cedo.
- Parece que a Teresa Cristina vai tocar.
- Ela sempre dá uma palhinha.
- Tem côco, moço?
- Tá geladão.
- Um bem verde, faz favor.
- Tá aqui. Pega o canudinho.
- Laranja com cenoura! Suco natural.
- Caraca, que calor!
- Ontem fez 42 graus.
- Em Paris caiu a maior nevasca.
- Olha, vou dar um mergulho. A água tá ótima hoje.
- Quer brinco, freguesa? Sou eu mesma que faço.
- Hoje não.
- Dá só uma sacada naquele argentino com camisa do River Plate.
- Tirou a camisa. Vai entrar no mar.
- Cacete, levou o maior caldo.
- Chapéu, chapeau, hat. Barato, pas cher, cheap.
- Vendedor poliglota...
- No Rio todo mundo se vira.
- Olha, tô achando a água escura demais hoje. Deve estar suja.
- Suja nada. É uma alga que se prolifera com o calor, tchê. La no Guaíba tem a mesma.
- Que mania é essa de pensar que o Rio Grande é o centro do mundo?
- Baguete recheada! Calabresa, presunto, tomate.
- Hey, mister. Eu querer uma.
- De quê?
- Tomato, plis.
- Já definiu que fantasia vai usar?
- Nada. E você?
- Vou de presidiário. Até já comprei a máscara do Arruda.
- Aaaaaaabacaxi.
- Esse cara do abacaxi... Trata-se do maior chato da praia.
- Daniel, é melhor você sair do sol. Vai acabar se queimando.
- Sair daqui? Nem morto. Tenho que trocar esse branco Champs Élysées por um bronzeado carioca.
- Quer um limão?
- Quero. Me vê um grande, com um pouco de mate.
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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Mais marchinhas para um carnaval francês


E como um verdadeiro João Kelly, eis que solto a safra 2010 das marchinhas com temáticas francesas, dessa vez uma semana antes do carnaval. Pegue seu chapéu de Napoleão e saia por aí cantarolando a sua melodia preferida.


Me dá uma baguete, oui
Ei, você, Marie
Me dá uma baguete, oui
Me dá uma baguete, oui

Não vai dar?
Não vai dar, não?
"Comam brioche se não tem mais pão"
Eu vou gritar até o rei cair
Me dá, mon gars, me dá, oi
Me dá uma baguete, oui


Sassarkozando
Sa-sassarkozando
O presidente tá andando no arame
Sa-sassarkozando
Desagrada o padeiro e a madame
O guarda na porta do Élysée
Veut le tuer*
Sassarkozando

Com o tal de Sarkozy
O francês não está contente
Pra mudar essa imagem:
Carla Bruni presidente!

(*quer lhe matar
)


O teu biquinho não nega
O teu biquinho não nega, francesa
Porque és francesa, uh la la
Fazer biquinho não é mole, francesa
A minha boca vai entortar

Tens um sabor
De camembert
Tens Zidane, e nós, Pelé
Francesa, francesinha, ma chérie
Te faço um filho, que o biquinho eu desisti


Abre alas
Ô abre alas, que eu quero parar
Ô abre alas, que eu quero parar
Tô numa greve, não vou trabalhar
Mas amanhã volto pra protestar

Ô abre alas, que eu quero parar
Ô abre alas, que eu quero parar
Hoje o metrô não vai mais funcionar
Voltar pra casa, só se caminhar


Sacabeças (saca-rolhas)
Pescoços vão rolar
Da realeza eu não quero ver sobrar
E vou passar no saca, saca, sacabeça
Eu quero é mais barbarizar

E se o Robespierre prender o rei
E uma boa lição quiser lhe dar
Eu pego o saca, saca, sacabeça
Tô numas de guilhotinar


Máscara negra
Quanto frio, ó quanta alergia
Os termômetros já foram ao chão
O arlequim ficou febril e está tossindo a colombina
No meio da estação
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